Por Bruno Henrique de Moura, Lucas Espíndola e Olavo David Neto, do Distrito do Esporte, e Petronilo Oliveira, do Jornal de Brasília
Quando os gregos no século VIII a.C. decidiram criar os jogos olímpicos, algumas premissas nortearam os valores da competição: entendimento mútuo, igualdade, amizade e, principalmente, jogo limpo. De todos esses fundamentos, o jogo limpo talvez seja o mais importante. Não trapacear, não usar de estratagemas para vencer, respeitar o adversário e preservar a integridade da competição, jamais se deixando levar por benefícios obscuros e que contrariem o espírito de honestidade e respeito pelo adversário.
Durante 15 dias, o Distrito do Esporte, em parceria com o Jornal de Brasília, conversou com 12 fontes diferentes, de dentro e fora das quatro linhas. Dirigentes, membros de comissões técnicas, jogadores, parentes de atletas e empresários. Quatro repórteres se dedicaram a explorar uma suspeita que paira desde antes do início da competição: venda e manipulação de resultados para beneficiar apostadores.
O que se pôde extrair das várias conversas e cruzamento de informações é que houve direcionamento de resultados para beneficiar apostadores com três times como principais suspeitos: Formosa, Samambaia e Real Brasília.
Presidentes de clubes receberam ofertas de compra de partidas
A maioria das fontes consultadas diz que o presidente do Formosa Esporte, Marcelo Lucas Ribeiro, seria o coordenador do esquema no futebol do Distrito Federal. Marcelo teria a responsabilidade de definir quais jogos teriam resultados menos comuns e, sucessivamente, mais bem pagos em casas de apostas. De acordo com os relatos, caberia ao empresário convencer jogadores, e, quando necessário, dirigentes, para entregar resultados.
Ao menos três cartolas no Distrito Federal foram abordados por um dirigente de futebol local oferecendo facilidades em confrontos e resultados favoráveis em troca de dinheiro.
O caso mais emblemático é do presidente do Real Brasília, Luis Felipe Belmonte.
Em entrevista ao podcast Voz do Quadradinho (clique e ouça), produzido pelo Distrito do Esporte, Belmonte disse que no intervalo do jogo entre Real Brasília e Formosa, que sedimentou o rebaixamento do Leão do Planalto, recebeu uma ligação de um dirigente envolvido no Campeonato Candango e no esquema de manipulação. No contato, foi-lhe ofertado um resultado favorável na partida entre Luziânia e Santa Maria, que poderia selar a permanência do Real Brasília na primeira divisão em caso de resultado empate ou derrota dos goianos.
Belmonte recusou a oferta. Conforme disse no podcast do Distrito do Esporte, afirmou ao outro dirigente que só paga jogadores do próprio time. Minutos depois, o Luziânia fez o segundo gol contra o Santa Maria e, posteriormente, o terceiro gol. O Real Brasília foi rebaixado.
Belmonte não quis falar à reportagem quem seria o dirigente que lhe fez a proposta indecente. “Vou aguardar ser chamado para depor no Ministério Público”, vaticinou o advogado. Sob condição de anonimato, outros dirigentes, membros de comissão técnica e até mesmo atletas contaram que também foram abordados.
A respeito do Real Brasília, quatro fontes da reportagem imputaram participação no esquema ao goleiro Deola que, sem o conhecimento de membros da comissão técnica e da diretoria do clube, haveria sido beneficiado financeiramente por falhas. A reportagem tentou contato com o atleta, mas não obteve retorno até a publicação deste material. O espaço segue aberto para manifestações.
Empresa de fora para auditar os resultados
Belmonte refutou as acusações direcionadas ao arqueiro, citando atuações convincentes e sem maiores falhas nas atuações pelo clube. No oitavo episódio do programa de entrevistas do DDE, o cartola afirmou com exclusividade que contratará uma empresa europeia especializada em encontrar ilegalidades em partidas em função de palpites remunerados.
“Eu não quero mudar os resultados do campo, mas eu quero saber o que aconteceu de verdade.” “Ela (a empresa) faz a verificação do que que acontece de lisura com relação a jogos de loteria e aos resultados de campo. é a empresa que identificou os esquemas de manipulação em Portugal e na Itália.” pontuou o empresário à reportagem. A auditoria deverá começar a partir de maio, segundo o relato do presidente.
Presidente do Formosa é apontado como gerenciador do esquema
No final de 2020, o Distrito do Esporte publicou reportagem sobre Marcelo Lucas Ribeiro e sua passagem pelo Maranhão. À época, ele fora aclamado presidente do clube numa eleição sem concorrência para um mandato de quatro anos. Marcelo se desligara há poucos meses do Imperatriz/MA, equipe rebaixada, tal qual o Formosa em suas mãos. Os relatos das fontes ligadas ao Cavalo de Aço maranhense apontavam uma quadrilha capitaneada pelo hoje mandatário do Tsunami do Cerrado. Um dos relatos, inclusive, virou manchete: “É uma máfia”, disse um ex-funcionário do clube.
Paira sobre ele a responsabilidade por resultados considerados estranhos da equipe do Formosa. À frente do Tsunami do Cerrado, Marcelo trouxe um elenco completamente novo e recheado de jogadores que já atuaram com ele em outras oportunidades, como no futebol de Santa Catarina e, principalmente, no contestado time do Imperatriz.
Resultados elásticos, jogadores em posições improvisadas, placares pouco usuais. A torcida do Formosa passou a suspeitar dos sucessivos fracassos do time. Ligada ao Tsunami do Cerrado, uma fonte confidenciou à reportagem, em março deste ano e mais de um mês antes do início das investigações pelo MPDFT, desconfiar de manipulação de resultado através do time e suspeitar de três jogadores do elenco.
Atletas seriam os principais meios de manipulação. O esquema compraria de três a quatro jogadores de um determinado time e garantia que esses atletas forjassem placares, especialmente de derrotas. Apostava-se contra uma equipe e esta perdia. O método foi dito por oito das 12 fontes consultadas.
À reportagem, Marcelo negou veementemente as acusações. “Posso dizer que o Formosa foi o mais prejudicado, mas por conta da pandemia. Na nossa cidade, ficamos três, quatro semanas sem poder treinar”, ponderou o cartola. “Era só alimentação, vídeo do adversário e perdemos os jogos na reta final, quando acabava o combustível dos atletas. Fomos prejudicados nisso. Mas eu não participei de manipulação de resultado nenhum, tanto que estou à disposição da Justiça para prestar qualquer esclarecimento”, garantiu Ribeiro.
Além de se defender, o dirigente saiu em benefício dos jogadores, majoritariamente contratados sob sua gestão no clube de Entorno do DF. “Confio nos meus atletas também, que foram honestos e entraram em campo até o final. Se pudéssemos treinar, não teríamos sido rebaixados. Agora é com a Justiça”, frisou.
Jogadores do Samambaia teriam entregado partidas
Outro time fortemente envolvido no esquema seria o Samambaia. Presidente da equipe, Neimar Frota afirmou à reportagem, ainda no sábado (17/4), que arrendou o time, num contrato de três anos, a um grupo de empresários europeus indicados pelo presidente do Bolamense, Antônio Teixeira.
Segundo Neimar, o Samambaia foi o mais prejudicado e ele pretende acionar questionar o rebaixamento por meio de ação judicial. “Estou indo atrás de um advogado bom mesmo e espero que essa semana já consiga entrar na Justiça”, disparou. Ele se recusou a confirmar o nome dos arrendatários por motivo de sigilo contratual.
Da Inglaterra para os sofridos campos candangos
Um levantamento realizado pelo Distrito do Esporte mostra que o grupo de empresários citado é a Wonder Sports, empresa inglesa especializada em gestão de futebol e agenciamento de atletas. É a Wonder Sports que gere a carreira de Djordje Susnjar, atacante sérvio que atuou pelo Samambaia no Candangão 2021.
A empresa conta com três sedes internacionais: Chicago, Nova York e Londres. Onze agentes, dentre eles dois sócios principais, Emmanuel Wonder e Christopher Haris, representam a instituição. O sérvio Mastilo Vladimir teria intermediado o acordo com o Samambaia e coordenado a chegada de Djordje e outros.
De acordo com os relatos, Neimar chegou a dizer que os jogadores da equipe, de fato, entregaram resultados e prejudicaram o Samambaia Futebol Clube. “Não vou deixar meu time ser rebaixado numa situação dessas de forma alguma”, teria afirmado o dirigente.
Esquema funcionaria desde 2017
Não seria novidade do Candangão 2021 o esquema de compra e venda de desempenho de jogadores. Fontes da reportagem reportam a ofertas indecorosas e pedidos pouco republicanos desde 2017. Jogadores com amplo histórico no esporte local, idem. Todas as confirmações foram feitas com ao menos três pessoas ligadas ao futebol candango.
Segundo dados da consultoria KPMG, o mercado de apostas online em competições esportivas no Brasil pode movimentar US$ 2,1 bilhões (R$ 11,3 bilhões) por ano depois de regulamentado. Desde 2018, ainda no governo Temer, há lei no Congresso Nacional autorizando a exploração do setor, mas falta regulamentação sobre a maneira que pode se dar e a cobrança de impostos.
Sites estrangeiros e bicheiros seriam, hoje, os principais beneficiários das apostas on-line em resultados de partidas de futebol aos nada populares jogos de golfe.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) investiga o campeonato de 2021. Alguns dirigentes já depuseram ao órgão. O presidente da Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF), Daniel Vasconcelos, um dos denunciantes da entidade, depôs aos investigadores.
Em nota, a FFDF afirmou que “é importante ressaltar que a Federação não possui competência investigativa para análise do fato em questão. Portanto, o que resta é aguardar, de modo que a Federação sempre se colocará à disposição e colaborará com os órgãos de investigação.”
Pobre futebol do DF. Só faltava essa!