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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Coluna Visão de Jogo #2: Me deram o direito de sonhar

Na segunda edição da coluna Visão de Jogo, Luiz Henrique analisa o papel de Tite e a atuação da Seleção Brasileira nos últimos amistosos

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Por Luiz Henrique Borges

Apesar das inúmeras mazelas, escândalos dos mais diversificados, banimentos de dirigentes, sendo alguns deles inclusive presos, a CBF acertou ao manter o Tite no comando da Seleção Brasileira. O treinador gaúcho assumiu a difícil missão de liderar a seleção pentacampeã do mundo em junho de 2016, substituindo o Dunga que, para mim, jamais demonstrou as qualidades táticas, técnicas e até emocionais necessárias para uma atividade exigente e desgastante.

Tite logrou grande experiência e conquistas ao longo da sua trajetória nos clubes. No entanto, por maior que tenham sido as equipes que ele comandou, como Grêmio, Internacional, Palmeiras, Atlético Mineiro e Corinthians, conduzir a Seleção Brasileira é uma realidade completamente distinta.

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Nos clubes, os treinadores estão em contato cotidiano com os atletas. Eles podem, com muito maior frequência, elaborar as jogadas e treiná-las exaustivamente, característica dos trabalhos de Pep Guardiola. O rol de jogadores observados também é bem mais limitado, os treinadores podem contribuir mais intensamente para a formação dos atletas e, finalmente, eles gerenciam um número muito mais limitado de estrelas.

Quando Tite foi chamado para a Seleção, o Brasil de Dunga estava não só jogando muito mal, como corria o risco, infame e indecoroso, de ficar de fora da Copa de 2018, ocupando a sofrível sexta colocação nas Eliminatórias. Sob o comando do novo treinador, a Seleção logo encontrou um padrão de jogo, superou as turbulências do período anterior e, em águas calmas, classificou-se com antecedência e até facilidade para o Mundial da Rússia.

Talvez empolgado com a rápida e até surpreendente recuperação da equipe durante as Eliminatórias, o grupo para a Copa foi fechado muito cedo. Eu acredito, sinceramente, que isto ocorreu também como fruto dos anos de vacas magras que passamos em relação à qualidade dos nossos jogadores. As gerações após o pentacampeonato não foram as mais qualificadas que o nosso futebol já gerou. Isto não significa dizer que ela deixou de ser protagonista e séria candidata aos títulos, mas ficamos extremamente dependentes de um ou outro talento, o que também acarretou poucas variações táticas. Um jogo mais previsível é sempre mais fácil de ser anulado.

Além de fechar o grupo muito cedo, Tite levou alguns jogadores com problemas físicos, como foi o caso de Fred. O calendário do futebol mundial, cada vez mais apertado e exigente, impede que as seleções possam se reunir com maior antecedência para se preparar para a competição como ocorria no passado e, em torneios de tiro curto, com aproximadamente um mês de duração, é fundamental contar com jogadores que estejam na sua melhor forma física possível.

Tendo um ciclo e meio completo na Seleção, ou seja, 6 anos de trabalho, Tite adquiriu a experiência necessária para saber que precisa contar com atletas que estejam na “ponta dos cascos” física e tecnicamente, que ele também não deve fechar o grupo que irá à Copa com muita antecedência, afinal somos um celeiro de bons jogadores e que é preciso contar com variações táticas treinadas para, se necessário, aplicá-las ao longo das partidas.

Na questão física, a mudança da Copa do Mundo para novembro, em virtude do inóspito clima do Catar, favoreceu os atletas “europeus” e eles compõem a quase totalidade dos nossos jogadores. Eles estarão no meio da temporada e, consequentemente, se encontrarão muito mais bem preparados do que nos mundiais disputados em junho ou julho quando as fatigantes temporadas europeias finalizam.

Tite também soube aproveitar e valorizar uma nova geração que surgiu há muito pouco tempo. Ao contrário de Dunga, que em 2010 não levou os jovens e recém-descobertos Paulo Henrique Ganso e Neymar para o Mundial e, quando tomou a virada da Holanda, ficou com a cara apatetada, tão comum nos anões da Branca de Neve, olhando para o banco e sabendo que não havia ali ninguém que poderia alterar o rumo do jogo. Tite não se privou de convocar jovens talentos como o Vini Jr., Rodrygo, Raphinha, Anthony e Pedro.

Ao ouvir os nomes da última convocação, contra Gana e Tunísia, além dos derradeiros testes, fiquei com a sensação de que o treinador brasileiro, mesmo antecipando que não continuará comandando o Brasil após o Mundial, já começou a ambientar alguns nomes para a Copa de 2026.

Nos dois amistosos disputados na França, contra as seleções africanas já citadas acima, o Brasil apresentou um futebol envolvente e venceu os seus adversários com autoridade. Logo os pessimistas irão brandir, são seleções fracas, assim como os sul-americanos. Ora, quando enfrentamos adversários considerados inferiores é fundamental vencer e convencer. Isto foi feito. Durante o ano, o Brasil realizou sete jogos, venceu seis e empatou apenas um, o primeiro, atuando em Quito contra o Equador. Goleou 5 adversários e venceu o Japão por 1X0. Em casa venceu o Chile e o Equador por 4X0. Ganhou da Bolívia, na altitude, o que costuma ser difícil, também por 4X0. Derrotou a Coreia do Sul e a Tunísia por 5X1 e venceu Gana por 3X0. Ou seja, o Brasil marcou 27 gols e sofreu três. Concordo se o cético afirmar que não enfrentamos e vencemos as seleções da primeira prateleira do futebol mundial, mas dentro do que foi possível, a partir de um calendário maluco e das negativas europeias de nos enfrentarem, fizemos o nosso papel com muita qualidade.

O Brasil chegará ao Catar como uma das seleções favoritas e me atrevo a afirmar, sem medo, de que ao lado da França, se não estiver tão desfalcada como nos jogos da Liga das Nações, somos o grupo que conta com os jogadores tecnicamente mais qualificados. Além disso, a Seleção possui variações táticas que estão treinadas e podem ser um diferencial ao longo da competição.

Sem exagerado otimismo, a Seleção Brasileira me deu novamente o direito e o desejo de sonhar. Se vamos vencer a Copa do Mundo é outra história. Já vi seleções consideradas imbatíveis, como a Holanda de 74 e o Brasil de 82 ficarem pelo caminho. Ao contrário do que ocorre nos clubes, que o processo de globalização favoreceu os mais ricos, para as seleções o caminho é exatamente o inverso. A globalização intensificou o contato e o intercâmbio entre os atletas dos mais diversos países, elevando o nível do futebol de suas seleções. Nunca tivemos tantas equipes com reais condições de levantar a taça.

Temos um escrete que conta com ótimos jogadores, com variações táticas e que apresentou ao longo do ciclo um bom futebol. Mas, na Copa do Mundo são apenas 7 jogos, sendo 4 deles eliminatórios. Para vencer, não basta o trabalho muito bem-feito, como ocorreu, é preciso ter sorte, pois sem ela, como diria Nelson Rodrigues, não é possível sequer chupar um Chicabom.

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