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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Visão de Jogo 17: Equações difíceis, mas importantes: calendário e preços

Luiz Henrique Borges fala sobre o início dos campeonatos estaduais e dedilha a discussão sobre fim dos estaduais versus calendário apertado

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Por Luiz Henrique Borges

Os campeonatos estaduais começaram. Demonstrando a sua desvalorização e a necessidade de se pensar em uma nova fórmula, muitas equipes iniciaram as disputas com equipes reservas, preferindo ampliar o tempo de preparação dos titulares para as principais disputas que ocorrerão ao longo do ano. Em decorrência da paixão dos torcedores, tal estratégia pode ser uma perigosa armadilha. Uma campanha ruim no estadual, mesmo justificada, significa a insatisfação proveniente das arquibancadas e uma pressão adicional sobre o treinador, à sua comissão técnica e aos próprios atletas nos demais campeonatos.

Com os calendários cada vez mais espremidos e repletos de competições, o tempo de preparação é cada vez menor. O excesso de jogos e de compromissos, incluindo aí as seleções, são alvos de críticas dos principais treinadores mundiais uma vez que eles implicam na redução do descanso dos jogadores e, consequentemente, em contusões mais frequentes. Talvez, nos principais clubes europeus que contam com orçamentos milionários, o afastamento de alguns titulares não se traduz, necessariamente, em queda na qualidade do jogo e na competitividade do time, afinal eles podem comprar os melhores jogadores do mundo e os “reservas” possuem nível técnico semelhante aos titulares. No entanto, na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, a realidade é outra.

Apesar das reclamações dos treinadores, os dirigentes do futebol, incluindo a FIFA, fazem um discurso de racionalidade, mas tomam decisões, normalmente a partir das narrativas do crescimento sustentável do futebol pelo mundo, que tendem, na verdade, a aumentar os torneios. Se o “crescimento sustentável” realmente beneficiasse os clubes menores e a grande maioria dos jogadores que recebem salários baixos e possuem temporadas curtas, eu não faria críticas. Mas sabemos que a realidade não é essa.

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No Brasil, por exemplo, não fossem os estaduais, aproximadamente 80% dos clubes nacionais não existiriam por falta de competições. Segundo a Gazeta Esportiva, 650 equipes do Brasil disputaram alguma divisão de campeonato estadual ou nacional em 2019. Deste número, apenas 124 atuam nas séries A, B, C ou D, ou seja, menos de 20% dos clubes possuem calendário anual, os demais permanecem a maior parte do ano sem atividades, consequentemente desempregando muitos profissionais que atuam no futebol.

Os estaduais são o sangue para um sem-número de clubes profissionais. A sua extinção, visando prolongar os campeonatos nacionais e racionalizar os calendários, como alguns defendem, significará a extinção de muitos times e também o fim dos sonhos de diversos jovens que sonham em encontrar o sucesso, um dia, no competitivo, exigente e difícil mercado do futebol.

O calendário precisa ser revisto, mas todos os clubes, grandes, médios e pequenos, precisam ser preservados. Defendo estaduais mais longos e disputados, inicialmente, por clubes que não atuam nas séries A e B. Os principais clubes do país, envolvidos em diversas disputas e com calendários completos para o ano, só participariam nas fases finais da competição, preferencialmente nas etapas eliminatórias.

Também é fundamental que todos os campeonatos que tenham jogadores convocados para a Seleção Brasileira tenham seus jogos suspensos nas datas FIFA. Muito provavelmente, apenas a Série A será atingida, afinal os nossos principais jogadores atuam na Europa e os poucos que atuam no Brasil jogam na principal divisão do nosso futebol.

Finalmente, mas não menos importante, o futebol precisa continuar acessível aos brasileiros e não apenas aos grupos privilegiados que durante muito tempo estigmatizaram e trataram o principal esporte nacional de forma preconceituosa. Continuamos sendo um país pobre e desigual. Como temos uma grande população, em números absolutos há um público considerável com renda mais elevada, no entanto, percentualmente, muitos foram excluídos da prática que já foi mais corriqueira, a de assistir os seus clubes do coração nos estádios. A atividade antes democrática e inclusiva se encontra cada vez mais elitizada e excludente.

É comum ouvirmos comentários de que o processo hoje vivenciado no Brasil é semelhante ao europeu e eu concordo com a afirmação. A questão que me incomoda é que as realidades socioeconômicas entre nós e os europeus são totalmente díspares. Por exemplo, meu amigo Guilherme, fanático flamenguista, me chamou para assistirmos a final da Supercopa do Brasil, que será disputada no Estádio Mané Garrincha em Brasília. Quando ele me falou a tabela de preços, a meia-entrada em áreas não tão nobres do estádio custando R$ 200,00, já achei os preços muito salgados, inviabilizando que os torcedores menos abonados possam assistir o jogo.

Mesmo sabendo que é uma final, um jogo especial, entre duas das melhores equipes do país, o que justificaria alguma majoração nos preços, os valores cobrados dificultam e até impossibilitam que o trabalhador comum possa ir ao estádio.

Os clubes, as empresas que promovem os eventos e a CBF ou suas congêneres estaduais precisam ter lucro. Contudo, entendo que é preciso encontrar um difícil equilíbrio entre os ganhos, justos sem dúvida alguma, e a presença dos torcedores, especialmente os mais humildes e que foram fundamentais para a construção da grandeza dos clubes mais amados do país. Me parece que os “times do povo” passaram a rejeitar o povo, ou seja, os clubes se afastam conscientemente de suas bases populares.

A taxa de ocupação dos estádios do país ao longo de 2022 foi de apenas 29,6%. Levando em conta apenas o Brasileirão, ela não chega a 50%. Existindo ociosidade, ou seja, lugares vagos nas arquibancadas, sob qualquer ótica, inclusive a econômica, não se justifica excluir os mais humildes da festa do futebol uma vez que o custo com um torcedor adicional é mínimo em relação aos custos fixos para a realização da partida. Além disso, clubes que se intitulam de populares, deveriam buscar alternativas capazes de acolher aqueles que estão sendo excluídos pelo processo de elitização.

Muito mais importante que se vangloriar do tamanho das suas torcidas, os dirigentes de cada um dos clubes precisam se preocupar e fazer com que todos os segmentos de torcedores se sintam representados e valorizados. Caso contrário, será cada vez maior o número de pessoas que irão torcer para equipes estrangeiras, afinal o distanciamento entre ver, em um estádio, um Real X Barcelona será equivalente ao Palmeiras X Flamengo ou, e os dados já indicam isto, uma vez que 22% dos brasileiros não torcem para ninguém, jamais viverão a experiência de ter um time do coração.

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