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terça-feira, 18 de março de 2025

Sala de Imprensa #22: Os olhos que vão além do que se vê nas arquibancadas

A vontade de um povo formado nas arquibancadas vai além do “modelo perfeito” de sociedade e se pauta por seus próprios manuais de ética

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O texto se trata de um artigo de opinião e, portanto, é de inteira responsabilidade de seu autor. As opiniões nele emitidas não estão relacionadas, necessariamente, ao ponto de vista do Distrito do Esporte.
Por Gabriel Caetano*

O futebol candango vive um momento de aparente reestruturação. A alta nos públicos pelos estádios do DF, o aumento no consumo de produtos dos clubes e o engajamento nas redes sociais servem como uma gota d’água de esperança em uma torneira acostumada com secas – em todos os sentidos. O novo cenário implica mudanças e avanços, mas uma certeza está cada vez mais consolidada: o torcedor candango sabe o que quer. 

Uma vez, o filósofo e escritor espanhol Ángel Ganivet disse: “o horizonte está nos olhos e não na realidade”. Bom, e daí? O que um literário do século XIX tem a ver com o futebol candango? Vou tentar explicar.

Ángel fez parte da chamada “Geração de 98” espanhola, um grupo de intelectuais e artistas formado em 1898, que tinha como objetivo uma revolução nas tradições culturais, sociais e políticas na Espanha – o movimento inspirou o Modernismo no Brasil, que trouxe os mesmos anseios para o país. Naquela época, o Império Espanhol decaía, perdia suas últimas colônias, e o povo questionava todo o seu modelo de vida, incluindo a cultura e o esporte. A Geração de 98 foi além da realidade devastadora que assolava o país e criou um novo “horizonte” ressaltando a identidade nacional por meio do futebol, tendo impacto direto na criação da seleção espanhola de futebol e nos dois principais clubes do país: Real Madrid e Barcelona. 

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Dito isso, você ainda deve estar se perguntando o que isso tem a ver com o futebol do DF? Vamos lá, vou explicando…

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Recentemente, o Gama, time de maior torcida no DF, implementou uma medida de segurança junto aos órgãos públicos nas partidas como mandante no Bezerrão, baseado no artigo 151 da Lei Geral do Esporte, atendendo uma necessidade de segurança em meio a alta nos públicos e assim atendendo um anseio antigo da torcida, que busca a padronização das arquibancadas sem as camisas dos chamados “torcedores mistos” em meio ao tradicional verde e branco. 

Tal medida, como era de se esperar, causou polêmica, justamente porque estamos no Distrito Federal, um lugar novo, formado por “forasteiros” que desde o final da década de 1950 trouxeram consigo as paixões futebolísticas para habitar Brasília. O mar rubro-negro que tomou a Capital Federal, por exemplo, tem diversos adeptos que aparecem para “prestigiar” o futebol local e estão indignados com o “dresscode” do Bezerrão. A reclamação é: a medida atrai a insegurança.

Mas a insegurança já não é um problema real da sociedade em todo mundo? A medida é justamente para garantir a segurança dos torcedores, sendo um ato previsto em lei e combinado com as forças de segurança pública e privada responsáveis pela organização das partidas. Em um jogo do Flamengo, por exemplo, você não entra com camisa do Gama, e dependendo do setor, te deixam apenas entrar se estiver de vermelho, preto ou branco. O mundo do futebol tem seus próprios manuais, seus códigos de ética e por mais louco que alguns “artigos” pareçam, é raro alguém ter problemas se aplicar o bom-senso. Ou seja: não vá com camisa de outro time, seja Liverpool ou Flamengo, no Bezerrão. Isso garante a segurança!

Torcida do Gama - Gama x Brasiliense - Candangão BRB 2025
Foto: Reprodução/Gama

De acordo com “O Maior Raio-X do Torcedor”, pesquisa realizada pela Quaest/CNN/Itatiaia em 2024 para traçar o perfil do torcedor brasileiro, a insegurança nos estádios é o principal fator para afastar o público – 67% responderam dessa forma. O artigo 151 da Lei Geral do Esporte prevê a criação de planos de ações específicos a serem executados pelo clube mandante para coibir atos que possam ferir os direitos dos torcedores nos jogos, mas também prevê uma série de deveres a ser aplicados por quem compra o ingresso. Assim é a democracia: direitos se acompanham de deveres para a garantia do bem maior.

O gamense sabe bem o que anseia em anos de arquibancadas, e mesmo com uma autodestruição interna que levou o clube às ruínas, segue acreditando em um ressurgimento dos tempos de glória, não à toa a torcida não para de crescer. 

Aliás, esses anseios também são dos torcedores do Ceilândia, que pedem a aplicação da medida de segurança usada no Bezerrão em jogos no Abadião. A torcida do Gato Preto, atual campeão candango, é junto a Gama e Capital o “trio de ferro” das torcidas que tem dominado as arquibancadas no DF.

O “horizonte” em meio a realidade ainda cruel com o futebol candango é visível em grandes momentos como o do último sábado (15/3), quando mais de 13 mil gamenses marcaram o clássico com 9º maior público da história e superaram os números de presentes no derby goiano entre Vila Nova e Goiás do último dia 9. Também em momentos na Copa do Brasil, como o Ceilândia despachando o Coritiba, time de Série B, e o estreante Capital chegando na terceira fase – em ambas as ocasiões, os respectivos estádios estavam lotados.

O torcedor do Ceilândia, que antes via o Abadião caindo aos pedaços, com torcedores a se contar nos dedos, hoje lota o estádio e já pede (de forma justa) por uma cancha maior. A surpresa Capital, que há 7 anos ia pedir licença na Federação, hoje está no cenário nacional, e lota o JK – estádio que até pouco estava às traças. O que falar do Gama então, que viu as gestões medíocres se acumularem e afundarem o clube, mas mesmo assim mantém média de torcedores de causar inveja em clubes de Série A, e ressurge com um fio de esperança de um futuro novamente glorioso. 

Qual o pecado dos torcedores desses clubes em não querer ver em seus estádios camisas do Flamengo, Corinthians, dentre outros (incluindo os europeus!), dos quais os torcedores debocham com frequência do futebol local? Me chame de louco (ou qualquer adjetivo que quiser!), mas eu como gamense não quero. Graças a falta de calendário do meu time, tenho de aguentar eles o ano todo debochando da minha escolha de vida como torcedor, não preciso deles desrespeitando o meu sentimento na MINHA CASA – sim, o Bezerrão é a minha casa e de todos os gamenses!

Ángel Ganivet também dizia: “construir sobre a vontade de uma multidão é loucura. A vontade de um povo é como um relâmpago que dura um segundo”. O ser-humano por si só é volátil, o Brasil é um dos países TOP-20 em violência no mundo, e a insegurança é um problema de fora para dentro das arquibancadas, que tem de ser combatido com estratégia e inteligência. Os clubes candangos estão formando uma tradição, uma cultura para o torcedor, e as medidas de segurança para evitar camisas de outros clubes é um avanço natural nessa nova realidade para que voltemos a alçar grandes voos no cenário nacional!

*Gabriel Caetano é jornalista e historiador da Sociedade Esportiva do Gama. Criador do Histórias do Gamão em 2013, também colaborou com o Blogama. Como Diretor de Marketing do Capital, participou do projeto em parceria com a UnB que levou a Coruja ao título candango da Série B em 2018, e então foi contratado como Assessor de Marketing do Gama, em 2019, ano que o clube conquistou o título candango invicto. Recentemente, ajudou a idealizar a editoria de esportes no portal LeoDias, onde trabalhou como repórter

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