O texto se trata de um artigo de opinião e, portanto, é de inteira responsabilidade de seu autor. As opiniões nele emitidas não estão relacionadas, necessariamente, ao ponto de vista do Distrito do Esporte.
Por Bruno Henrique de Moura*
Na deliciosa fábula “O Homem Curioso” (1814), o russo Ivan Krylov conta a história de um homem que vai a um museu e nota todo o tipo de coisas, exceto um enorme elefante numa sala. O mamífero quadrúpede é tão óbvio que passa a ser ignorado. Se torna um fato transvestido de não fato.
Este artigo não seria publicado posteriormente ao confuso arbitral realizada na manhã desta quinta-feira (14/11) no restaurante Fausto e Manoel. A ideia deste autor era chamar à consciência os presidentes da maioria dos clubes que disputam a elite – termo que merece certa discussão etimológica para o caso – do futebol candango antes da reunião. Mas minha curiosidade superou meu espírito público e preferi aguardar o andamento do evento.
Os anos de cobertura do futebol local nos ensinam como as engrenagens andam e quem as move. As decisões que importavam – data de início, semifinal ou quadrangular, final única ou em ida e volta – já tinham sido tomadas antes do arbitral. Atrevo-me a dizer que antes da marcação da data. Isso não é um demérito, mas exercício da política e da articulação, tudo certo.
Portanto, com quem se vota, as conversas prévias à reunião, com quem se almoça após o fim da mesma, são mais relevantes que saber qual a bola que vai ser comprada para as disputas. Isso é descartável e burocracia resolvível em um e-mail.
E, no caso, o não dito fala muito mais que o dito.
Há pelo menos 4 anos, desde que o grupo criminoso de Marcelo Lucas entrou no futebol candango, primeiro via Sobradinho, depois tomando de conta – e sendo ano depois expulso por pressão de outros sócios – do Formosa Esporte, paira sobre os campeonatos disputados sob a batuta da FFDF os riscos, conversas e medos de manipulação de resultado.
Foi assim com o Candangão 2021, conforme revelado pelo Distrito do Esporte e pelo Correio Braziliense, no ano seguinte com a Polícia Federal indo acompanhar partidas da segundinha, no ano de 2023 na elite da competição e neste 2024, tudo há pouco revelado, com um cidadão que deu um by pass – ao que parece – na presidente do Santa Maria e fez o que quis e não quis para embolsar dinheiro com derrotas do seu time. Foi preso em Dubai, não esqueçamos.
Não consta a esse articulista que a FFDF teve feito uma fala que seja sobre as suspeitas sobre seu principal produto e apresentado medidas para arrefecer estas ocorrências. Houve, é verdade, uma defesa, meio constrangida, do atual presidente que jurou não ter relação com atos desta espécime, mas numa defesa mais personalíssima, que institucional.
É verdade que os atuais dirigentes da entidade, que parecem cada dia mais interessados em se perpetuar no poder, contrataram uma empresa internacional para acompanhar os jogos e alertar transações suspeitas e, ao que parece, foi a partir deste contrato que se identificou o esquema com o Santa Maria.
Porém, na reunião de clubes mais relevante de um ano, se esperava, pelo menos, um posicionamento mais enfático sobre a questão, ainda que para prestação de contas à imprensa e à comunidade esportiva candanga, além de reforçar medidas em vigor e futuras.
De toda forma, arbitral da FFDF, há pelo menos 3 anos, é um belo de um constrangimento coletivo. Todo mundo sabe que uma família poderosa do futebol candango não se contenta em ter uma equipe amarela em seu poder, mas agora passa a comandar outras duas, seja no vermelho e preto, seja no verde e amarelo. E todo mundo sabe que além de antiético e amoral, a atitude é irregular e o campeonato que a ela dá vazão é ilícito por natureza.
A Lei Pelé desde 2000 prevê o seguinte:
Art. 27-A. Nenhuma pessoa física ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de qualquer entidade de prática desportiva poderá ter participação simultânea no capital social ou na gestão de outra entidade de prática desportiva disputante da mesma competição profissional. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
§ 1o É vedado que duas ou mais entidades de prática desportiva disputem a mesma competição profissional das primeiras séries ou divisões das diversas modalidades desportivas quando: (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
a) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, através de relação contratual, explore, controle ou administre direitos que integrem seus patrimônios; ou, (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
b) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de mais de uma sociedade ou associação que explore, controle ou administre direitos que integrem os seus patrimônios. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
§ 2o A vedação de que trata este artigo aplica-se: (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
a) ao cônjuge e aos parentes até o segundo grau das pessoas físicas; e (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
b) às sociedades controladoras, controladas e coligadas das mencionadas pessoas jurídicas, bem como a fundo de investimento, condomínio de investidores ou outra forma assemelhada que resulte na participação concomitante vedada neste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.981, de 2000)
A Lei Geral do Esporte de 2023 tem a mesmíssima previsão:
Art. 62. Nenhuma pessoa natural ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de qualquer organização esportiva que promova a prática esportiva profissional poderá ter participação simultânea no capital social ou na gestão de outra organização esportiva congênere disputante da mesma competição que envolva a prática esportiva profissional.
§ 1º É vedado que 2 (duas) ou mais organizações esportivas que promovam a prática esportiva profissional disputem a mesma competição ou a mesma série ou divisão de uma competição, quando for o caso, das diversas modalidades esportivas disputadas profissionalmente quando:
Mais organizada, a Federação Paulista de Futebol colocou a vedação explicitamente no seu Regulamento Geral de Competições:
Art. 6º – Cada Clube filiado poderá ser representado por uma única equipe em cada série.
Art. 7º – Um mesmo grupo econômico poderá deter mais de uma entidade de prática desportiva, desde que ambas não participem da mesma competição, na mesma série ou divisão, em respeito ao princípio desportivo da integridade das competições.
§ 1º – Entende-se por grupo econômico empresas que, embora cada uma delas tenha personalidade jurídica própria, estejam sob a mesma direção, controle ou administração. O conceito de grupo econômico também se estende aos casos em que dois ou mais clubes são mantidos, geridos ou controlados, direta ou indiretamente, por uma mesma pessoa física.
§ 2º – Os representantes legais de ambas as equipes pertencentes ao mesmo grupo econômico deverão encaminhar à FPF ofício conjuntamente assinado, indicando qual das equipes é a principal e qual é a secundária, estritamente para efeitos de regulamento de acesso e descenso.
§ 3º – Nos casos em que as duas equipes do mesmo grupo econômico tenham o mesmo nome, a equipe secundária terá incluída a letra “B” em seu nome.
§ 4º – A equipe secundária deverá, sempre, figurar em série ou divisão inferior à sua respectiva equipe principal. Apenas para fins de clareza, a equipe secundária nunca poderá ascender para a mesma série da equipe principal.
§ 5º – Caso uma equipe secundária tenha conquistado acesso para a série ou divisão em que permaneça a equipe principal, tal equipe secundária não ascenderá e o próximo melhor colocado da série ou divisão que não obteve o acesso será promovido à divisão superior.
§ 6º – Caso haja acesso conquistado por uma equipe secundária para a série ou divisão em que a equipe principal fora rebaixada naquela mesma temporada, tal equipe secundária não ascenderá e será rebaixada para a série ou divisão inferior à que disputou. Neste caso, o próximo melhor colocado de tal divisão inferior que não obteve o acesso será promovido à série ou divisão superior.
Ainda que no papel o nome de outros constem, é só observar como o campeonato se desenrola para identificar quem, de fato, manda na coisa toda. Cega quem não quer ver a realidade à sua frente, nua e crua.
Ano passado, Luiz Felipe Belmonte tentou colocar ordem na casa. Alertou sobre a situação e pediu, ao menos, que a tabela fosse revisada caso os times do mesmo controlador jogassem na reta final do campeonato, para evitar manipulações. Foi voz solitário e ainda sofreu ameaça, velada, de sofrer processo pelo crime de calúnia.
É, realmente, complicado comprar briga com personagens tão poderosos do ponto de vista político, jurídico e de relações. Quem acompanhou a festividade de posse dos novos auditores do STJD percebeu, claramente, quem ganharia numa queda de braço dessas, com fotos entre o Presidente da CBF, o Presidente da FFDF e este personagem.
Isso não muda o vergonhoso silêncio sobre as situações aqui relatadas: a manipulação externa da competição e seu direcionamento para interesses de uns a olhos nus, no clarão do segundo andar do Fausto e Manoel. Se não elefante, outros animais pantaneiros, caramelos ou voadores, estão do jeito que estão.
Não é preciso ler Pêcheux para ver que a construção de sentido independe de um único meio de transmissão. E é um tanto quanto irônico que a bola escolhida para o Candangão 2025, ao transmitir sentido (no formato semiótico da análise) não se torna desprezível, pois segundo o próprio fabricante ela é “especialmente desenvolvida para gramados imperfeitos com ausência de grama e gramado sintético, garantindo maior durabilidade em situações de atrito ao laminado”. Diz muito, sobre os elefantes na sala do futebol candango.
Bruno Henrique de Moura é ex-presidente da Associação Brasiliense de Cronistas Desportivos (ABCD), ex-vice-presidente da Comissão Nacional Disciplinar da Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU), advogado e sócio do Distrito do Esporte. Possui passagens pelos veículos JOTA, Estadão, Esportes Brasília, Nova Aliança, Rádio Mais Brasil News, TV Câmara Distrital, dentre outros. É pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD-USP). É professor assistente da Escola de Comunicação e Artes da USP.
Finalmente alguém falando de uns certos times, faltou só falar do que aconteceu em um jogo da última rodada do Candangão quando, segundo a imprensa, os melhores em campo até o primeiro tempo passaram mal no intervalo e foram substituídos. A situação abordada era para ser assunto constante no noticiário esportivo local.
Eu sinceramente acho certo criticar, mas se agente for ter um olhar mais profundo e ver o que se está fora do campo você vai perceber que esse mesmo homem que critica é o que ao mesmo tempo “salva” o futebol candango, sendo sincero antes do Brasiliense nossa capital tinha má fama de não pagar seus jogadores, e se agente for ver bem quantos empregos o L.E. não gera em 3 ou 4 equipes??
E sinceramente esse ano acho que só o Brasiliense, Capital, Ceilandia, e Gama investiram mais pesado nas contratações e tem chances ao titulo e o Sobradinho, Samambaia e Ceilandense ali com times medianos para se manter na Serie A correndo por fora por uma possível vaga na final , o resto vai jogar praticamente com amadores(semiprofissionais) e com os garotos da base.
Essa matéria aborda fatos irregulares que vem acontecendo no futebol do DF, que poucos têm coragem de falar, e que muitos fingem não ver. Não vai demorar muito para isso virar um escândalo, e macular ainda mais o pobre futebol do DF. Parabéns ao autor do texto. Espero que outros meios de comunicação também tenham coragem de denunciar essas falcatruas.