Por João Marcelo Pepi, Rayssa Loreen e Vitoria Carvalho
Falta de pagamentos, atrasos e sumiço de mandatário dão o tom das reclamações de funcionários do Brasília e de um dono de restaurante para com o clube colorado. As dívidas são contestadas por Marcelo Silveira, ex-gerente de futebol do clube, dois atletas que preferiram não se identificar e Jair Titton, dono do restaurante Sabor do Sul. Somados, os valores requeridos das dívidas chegam a 60 mil reais. O presidente da equipe, Flávio Simão, confirmou os débitos, mas contestou valores.
O ex-gerente de futebol do Brasília, Marcelo Silveira, fez diversas críticas à gestão de Flávio Simão e contou à reportagem do Distrito do Esporte que o clube o deve uma estimativa de 40 mil reais. Dois jogadores, que preferiram o anonimato, citaram que o acordo de R$ 2.500,00 cada não foi cumprido. Já Jair Titton alega que o Brasília utilizou de seus serviços culinários e fez apenas um pagamento no valor de mil reais, e cerca de 15 mil ainda estão em débito. Flávio diz dever apenas oito mil a Marcelo, ratificou os números de Jair e refutou valores de jogadores.
Dono de restaurante cita dívida em torno de 15 mil reais
O proprietário do quiosque Sabor do Sul, Jair Titton, comentou o acordo. “Eu nem fiz contrato, tamanha era a confiança. Eu combinei almoço e janta para todos os atletas e a cada quinzena ocorreria o pagamento. Para receber a primeira vez já foi complicado, recebi só uma parte. A segunda foi pior ainda. Eu nem ia mais servir, mas ele (Flávio Simão) me prometeu e fiquei com dó dos meninos (jogadores do Brasília), eles não tinham culpa e eu acabei servindo”, falou.
Jair ainda revelou o valor da dívida com Flávio. “Até no hotel trancaram todas as entradas e não deixaram ninguém entrar caso não houvesse o pagamento. Eles depositaram o dinheiro e liberou a entrada, o qual é do lado do restaurante. Mas eu fiquei só na promessa, mais de 15 mil reais. Em maio ele me mandou R$ 1.000,00 e nunca mais apareceu. Eu ligo, mando mensagem e não tenho resposta nenhuma. Até com a mãe dele eu falei e ela disse que tentaria falar com ele”, esclareceu.
De acordo com Jair Titton, o acordo com Flávio Simão foi bem esmiuçado, as partes acertaram sem quaisquer problemas, mas o mandatário do Brasília não cumpriu com o combinado. “A proposta foi o pagamento em três parcelas. A dívida total é de R$ 16.980,00 e dariam três parcelas de R$ 5.660,00 a serem pagas em 21 de fevereiro, 15 de março e 30 de março. Ele disse que pagaria, mas só mandou R$ 1.000,00 em 31 de maio”, detalhou.
Ainda segundo o proprietário do quiosque, mais funcionários foram contratados para dar o suporte necessário aos atletas. “Eu tive que contratar mais pessoas no meu restaurante na época. Todos os dias eram em média 20 pessoas almoçando e jantando, fim de semana chegava a 35 devido aos jogos. Ainda fiz um preço bom, mas ele não cumpriu. Eram cerca de dez jarras de suco por refeição”, relatou. Jair ainda falou sobre um provável acordo. “Se ele me pagar 10, 12 mil eu fico com o restante do prejuízo, melhor do que nada”, confessou.
Não pagamento de um mês gerou três meses de atraso
Um jogador, que pediu para não ser identificado, contou como foi o acerto. “Eu fui indicado para o Marcelo (Silveira, gerente de futebol) por um amigo que tinha jogado no Brasília. O valor era de R$ 2.500,00, o Marcelo e o presidente (Flávio Simão) concordaram. Assinei contrato de três meses, tudo certo. Joguei quatro jogos e no dia do pagamento ouvi que o presidente tinha pago alguns e outros não, inclusive a comissão técnica”, descreveu.
Ainda sobre o contrato, o atleta disse haver um trato. “Eu fui contratado no começo de fevereiro e o campeonato encerrou para gente em 19 de fevereiro (última rodada da fase de classificação). Porém, estávamos com um acordo para eu receber apenas um mês. Só que o contrato tem que ser no mínimo de três meses pela CBF e o clube teria que pagar os três meses. Caso ele pagasse o mês combinado, rescindiria o contrato sem problema algum, mas ele não pagou. Então o contrato foi encerrado em 6 de maio sem nenhum pagamento e agora vou cobrar os três”.
A falta de pagamentos, segundo o jogador, atingiu todo o grupo. “Eu não recebi nada no primeiro mês, no segundo, em março, também nada. Em abril, depois de uma briga e ter pedido para o jogador que tinha me indicado conversar com o presidente, recebi um pix de R$ 500,00. Estava faltando as coisas dentro de casa, sou trabalhador, preciso receber. Mandei mensagem para ele (Flávio) e ele só visualizou, não me respondeu. Chegaram a fazer um grupo de esclarecimentos no WhatsApp, mas foram só promessas.”
Após todas as promessas não cumpridas, o atleta acionou seus direitos perante à Justiça. “Depois de tudo isso, procurei um advogado. Entrei com uma ação trabalhista contra o Brasília e estou esperando audiência. Não era para ser assim, mas o Flávio não foi leal conosco. Até a questão da alimentação era fraca. No restaurante tinha arroz, feijão, macarrão e frango, alimentação inadequada para um atleta profissional. Quando pedíamos outra proteína, informavam que não tinha e o Flávio dizia que não podia fazer nada”, expôs.
Situação semelhante vive outro atleta, que também pediu para não ser identificado. “Eles me devem R$ 2.500,00 e meu contrato era curto, de apenas três meses. Eu estou sempre em contato, negociando, mas ainda nada”, afirmou. Sobre o anonimato, o atleta foi enfático. “A maioria dos jogadores prefere não se expor. Isso pode nos atrapalhar com outros clubes. Muitos ainda estão com o presidente sempre, então ficam melindrados em falar sobre a situação”, contou.
Ex-gerente fala sobre valores não pagos e falta de gestão do clube
O ex-gerente de futebol do Brasília, Marcelo Silveira, contou à reportagem do Distrito do Esporte sobre a dívida que o clube mantém com ele e o desapontamento com Flávio Simão, presidente da equipe. “Meu dissabor é a constante decepção nesta temporada na primeira divisão. Ficaram três meses de salário para trás. Meu trabalho era até o final da competição e a dívida gira em torno de 40 mil reais, valor comum a uma rescisão de contrato de um gerente de futebol”, calculou.
Marcelo descreveu como era o clube antes de sua chegada e a forma como age. “Modéstia à parte, eu cheguei no Brasília e o clube era totalmente defasado esportivamente. O Brasília não tinha uma caracterização de clube profissional, reformulamos tudo. É um clube que se esconde atrás de um CNPJ e a cada ano vai pulando de galho em galho. Só fica em cima da marca Brasília, marca antiga, que teve muita força, mas hoje não é nada disso”, explanou.
Sobre a falta de pagamentos, Marcelo disse. “A última conversa que eu tive com atletas parece que ele pagou alguns e outros não, o que me deixou aborrecido. Ou paga todo mundo, ou não paga ninguém. Em uma conversa com ele (Flávio Simão), ele me disse ‘você tinha que ter conversando com os atletas e informado que só seria um pagamento caso não houvesse classificação’. Como é que eu ia fazer isso?”, questionou.
O gerente de futebol argumentou sobre a gestão do Brasília. “Trabalhei em vários clubes do Rio de Janeiro e fui para Brasília com bastante expectativa. O primeiro ano peguei o barco andando, tive o acesso e o segundo ano foi essa tempestade. Não imaginávamos que seria assim. Tem que acabar com essa máscara, senão o clube fica fazendo parceria com faculdade, mostrando que tem gestão e não tem, pois não cumprem com os compromissos financeiros com que eles trabalham”.
O mandatário comentou que os jogadores buscaram ações judiciais e que o clube precisa cumprir com o prometido. “Todos os atletas com quem conversei acionaram ele judicialmente, disseram que ele fechou a empresa, que ninguém acha ele. Daqui a pouco ele aparece na primeira divisão, como se nada tivesse acontecido. Não pode ficar assim. Eu sou profissional do futebol, vivo disso e preciso receber. Ainda saio como errado por não ter convencido os atletas em receber só um mês. Futebol cheio de maracutaia, como falo para os atletas que o clube não vai pagar o contrato todo se não se classificar, pagar só um mês?”, indagou.
Marcelo ainda reiterou a falta de gestão ocorrida, segundo ele, na equipe. “Os clubes têm que se profissionalizar não só de boca ou midiaticamente. Dizer que está com gestão, com banco de processamento de atletas que nem agora o Brasília está fazendo. O Brasília não tem nada, não tem gestão. Eles não sabiam nem colocar os atletas posicionados no ônibus, não sabiam nem que a comissão vai à frente. Até isso tive que fazer. O Brasília tem que fazer igual um clube sério faz: pagar os profissionais”, afirmou.
Flávio Simão confirma débitos, rebate Marcelo e contesta valores ditos
A equipe de reportagem do Distrito do Esporte procurou Flávio Simão, que nos atendeu e respondeu as acusações feitas. O mandatário colorado explicou como Marcelo Silveira – ou Marcelinho como o presidente se refere – se tornou seu aliado no time. “Eu estava desamparado e ele acabou se tornando meu braço direito. Quem trouxe ele foram os possíveis investidores que tínhamos e que acabou até não ocorrendo essa parceria”, disse.
O mandatário falou sobre jogadores que não receberam seus salários. “Eu acredito que se eles não tivessem recebido nem o primeiro mês, nem jogado eles tinham. Até porque, o dia que eles receberam foi no jogo contra o Gama. E nós temos a comprovação destes pagamentos. Só no último pagamento alguns atletas não receberam. Quando terminou o campeonato, eu estava sem recurso financeiro para honrar a folha, eu pedi um prazo e durante esse período fui cumprindo com alguns”, assumiu.
Flávio falou sobre as dívidas com o restaurante e sobre as tentativas de negociação. “Sim, eu tenho a divida com o senhor Jair. Ele é próximo de onde eu moro e pedi a ele um tempo para conseguir sanar a dívida. Inclusive, dentro do projeto financeiro, nós devemos sanar todos os débitos do Brasília até o final do mês de novembro. Entraremos em contato com as pessoas que devemos para negociarmos. Estamos fazendo levantamento do que está em aberto e do que ja foi pago, e falta pouco para finalizar o pagamento de todos os jogadores. E do Sr. Jair, que o valor é um pouco mais elevado, irei negociar com ele”, contou.
Sobre os valores devidos a Marcelo, Flávio refuta. “Eu devo apenas um mês de salário para o Marcelo de oito mil reais”. Quanto aos jogadores, apenas uma parte não foi paga. “Sobre alguns jogadores que vieram de fora, alguns já sanamos toda a dívida. Com os jogadores daqui (Distrito Federal), está tudo ok. E agora estamos atrás de negociar com alguns atletas de fora, porém tem atleta que não quer negociar. Entre funcionários, restaurante e outras dívidas, os valores ficam entre 40 e 50 mil reais”, detalhou.
Planejamento prejudicado e problemas administrativos internos
Flávio contou que o clube estipulou um valor para o campeonato, mas os números foram superiores ao pré-determinado por erros. “Fechamos um valor de R$ 300 mil para o campeonato com salários e gastamos quase meio milhão. Meu objetivo era ficar na primeira divisão, senão eu perderia 500 mil. Conseguimos o que queríamos, mas houve falhas administrativas. Haviam jogadores que recebiam cinco mil, outro três, dois, mil e pouco, não era tabelado”.
O mandatário reclamou de atitudes do ex-gerente do clube, todas sem seu consentimento. “O Marcelinho usou de outro restaurante com o nome do nosso clube e deixou dívidas com lanchonete, restaurante. Nós não sabíamos e tivemos que pagar, algumas eu paguei. Quando eu fui fechar o hotel (pagar as diárias), o pessoal já conhecia ele de outros carnavais. Ele já tinha passado a perna de outra forma. Existe um histórico e não tínhamos conhecimento. Para ele, o maior interesse é denegrir minha imagem”, exclamou.
Outras acusações de Marcelo foram rebatidas. “Colocar jogadores posicionados no ônibus era uma das função dele. Você contrata alguém para exercer determinadas funções e essa era uma dele”. Flávio contestou o acordo com os jogadores. “Você trabalharia em uma empresa que trabalha dois meses e recebe um pagamento? Sem nexo. Dentro de um campeonato existe planejamento e foi feito. Ele (Marcelo) se comprometeu com jogadores de fora e não com os locais. Ultrapassou o teto que estipulamos”.
O presidente colorado reafirma as dívidas, mas se compromete a pagá-las. “O que eu tenho de fazer é cumprir minhas obrigações e as cumprirei. Passei por dificuldades financeiras, cheguei até pegar dinheiro com agiota. Fui honrando os compromissos com quem foi honesto comigo. Devo sim. Vou pagar? Sim”, afirmou. “O seu Jair, eu estou devendo a ele, mas ele consegue girar o dinheiro dele. Sei que faz falta, mas preferi pagar o roupeiro, por exemplo, que precisa muito mais. Eu fui pagando pelas pessoas que mais precisava”, reconheceu.