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sábado, 23 de novembro de 2024

Coluna Visão de Jogo 16: Dinamite – barbárie e morte do ídolo

Na edição desta semana da Coluna Visão de Jogo, Luiz Henrique Borges relembra sua infância embalada pelos gols de Roberto Dinamite

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Por Luiz Henrique Borges

O futebol não se encontra alijado da sociedade, ele reverbera as nossas qualidades e os nossos defeitos nos mais variados espectros. A vida política brasileira se encontra imbricada ao esporte mais popular do país, aqueles que pensam que existe uma separação entre assuntos “sérios” e o futebol, considerado um assunto menor, estão completamente enganados. Quem pensa assim, transformando o futebol em objeto de alienação, apenas reafirma percepções intelectuais ultrapassadas. No último domingo eu acompanhava, com dor, a morte de mais um ídolo do futebol nacional, o vascaíno Roberto Dinamite, quando a notícia foi ofuscada pelas explosões de ódio perpetradas pela minoria “democraticida” e tirânica, nos moldes nazistas ou stalinistas, incapaz de conviver com a diversidade ideológica e aceitar a derrota do projeto de país que eles entendem, fanaticamente, como o único caminho possível.

Os prejuízos causados não são apenas monetários, que serão, como sempre, socializados, mas a destruição do patrimônio cultural é atentar contra a identidade de um povo, simbólica e materialmente. Os nossos talibãs se vestem de amarelo e se apropriaram de símbolos nacionais como se eles fossem os únicos patriotas. Não são! O patriotismo significa a capacidade de viver e dividir ideais maiores com todos aqueles que criam laços de pertencimento a um local. Quando torcemos para a Seleção Brasileira, por exemplo, tais laços são fomentados e fortalecidos. O patriotismo não é sinônimo de fundamentalismo, este é responsável pela discórdia e pela crença cega, consequentemente burra, enquanto aquele busca a compreensão, o equilíbrio, o diálogo e o respeito.

No final da manhã de domingo, Carlos Roberto de Oliveira, mais conhecido como Roberto Dinamite, foi derrotado pelo câncer de intestino que o ex-atleta tentava superar desde 2021. O grande ídolo do Vasco não foi um jogador absurdamente habilidoso, um craque, como Zico, Falcão, Sócrates, Ronaldo, no entanto, ele foi um atacante mortal e, ao contrário dos jogadores hodiernos, ele se identificou totalmente como cruzmaltino.

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No final de 1971, Roberto começou sua carreira profissional e não demoraria para ganhar a alcunha de Dinamite. Um pouco diferente da versão contada pelo próprio jogador, talvez porque ele tenha guardado na memória o gol contra o Internacional e a manchete do Jornal dos Sports, fundado por Mário Filho, afirmando que o “garoto dinamite explodiu” após a vitória do seu time por 2X0 em partida disputada no Maracanã, disputada em 25 de novembro, a história teve um capítulo anterior.

Vamos a ela. Na semana que antecedeu a primeira partida da segunda fase do campeonato brasileiro, contra o Atlético Mineiro, disputada em 21 de novembro de 1971, o Jornal dos Sports já havia estampado em suas manchetes: “Vasco escala garoto-dinamite”. O atacante não fez uma grande partida e terminou substituído. Independente do momento em que ganhou o apelido, o que realmente interessa é que Roberto explodiu a alegria da torcida vascaína em mais de 700 oportunidades.

Como torcedor do Botafogo, o atacante vascaíno me fez sofrer diversas vezes. A mais marcante foi o golaço que ele marcou na vitória de sua equipe por 2X1, em maio de 1976, pela Taça Guanabara. Dias antes de meu aniversário, achei que ganharia antecipadamente o meu presente quando Ademir, aos 43 minutos do primeiro tempo, abriu o placar para o time da estrela solitária. Com a vantagem, o Botafogo voltou recuado na segunda etapa e passou a ser pressionado pelo adversário. O meu calvário começou aos 18 minutos quando Roberto empatou o jogo.

Melhor em campo e precisando do resultado para se manter na briga pelo título contra o Flamengo, os cruzmaltinos continuaram atacando. O Botafogo se defendia e eu torcia desesperadamente pelo apito final para comemorar o suado empate. O coração estava disparado, a boca seca e os olhos arregalados estavam fixos na antiga televisão Telefunken colorida que meu pai havia comprado. O locutor anunciava que faltavam apenas 50 segundos quando o Vasco partiu para o ataque. Na jogada, o ídolo vascaíno recebeu o cruzamento da direita realizado por Zanata, amorteceu a bola no peito e de forma implacável, aplicou um lençol desmoralizante no zagueiro Osmar Guarnelli e fuzilou Wendell em sua camisa amarela.

A decepção do jovem menino de quase 8 anos foi enorme, mas, apesar da tristeza, aquele golaço ficou gravado para sempre em minha memória e também nas minhas atitudes dali em diante. Me tornei mais rápido que o próprio Roberto. Todas as vezes que o artilheiro vascaíno matava a bola na área botafoguense e girava para chutar, antes mesmo dele completar o movimento eu já havia apertado o botão da Telefunken evitando, desta forma, covardemente, de ver os jogadores do Botafogo cabisbaixos pegando a bola no fundo das redes.

Apesar de ter maltratado tantas vezes o meu time do coração, eu admirava o Roberto que era um dos meus ídolos no futebol nacional. Não fosse ele, muito provavelmente teríamos naufragado na primeira fase da Copa do Mundo de 1978, disputada na Argentina. Na partida decisiva, contra a Áustria, o Brasil venceu e avançou para a fase seguinte graças ao solitário gol do artilheiro do Vasco.

Em 1982, Telê Santana convocou o habilidoso Careca e o desajeitado Serginho Chulapa. Quando Careca machucou, um pouco antes do início da Copa do Mundo, Roberto foi chamado para o seu lugar. Infelizmente, até Telê Santana cometia seus pecados. Ele escalou como titular ao longo do Mundial da Espanha o trombador e pouquíssimo habilidoso Serginho. O jogador do São Paulo não foi capaz de acompanhar as jogadas muito técnicas, inteligentes e habilidosas construídas pelos demais jogadores do Brasil.

Não tenho a menor dúvida de que faltou Roberto no comando do ataque em 1982. Muito mais habilidoso e mortal que Serginho, teríamos feito mais gols e, talvez, o inesquecível escrete anteciparia em doze anos a conquista do tetracampeonato mundial. A certeza ganha força quando lembro que Zico, comandante do Brasil no Mundial da Espanha, nunca perdeu um jogo pela Seleção quanto atuou junto com Roberto Dinamite.

O ídolo do Vasco lutou contra a doença com a mesma vontade e garra que apresentou em campo. Ele nos deixou mais um exemplo de perseverança. Descanse Roberto! Felizmente a saudade sempre poderá ser superada, assistindo os seus gols que terminavam, invariavelmente, em um sorriso aberto brindando os torcedores.

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