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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Coluna Visão de Jogo #31: Futebol, apostas e corrupção

Nosso colunista de todos os sábados fala sobre as origens, os motivos e os caminhos das apostas esportivas no Brasil

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Por Luiz Henrique Borges

O homem, talvez em busca da emoção que o inesperado oferece, envolvido pela excitação e o desejo de arriscar, desde os tempos mais remotos é chegado nas apostas. Os arqueólogos não hesitam em afirmar, observando os registros históricos de pinturas ou anotações em paredes, que o ato de apostar ou jogar com outra pessoa com o objetivo de ganhar algo, sabendo que também pode perder, é uma atividade bastante antiga.

Na etapa final do Renascimento, a atividade de apostar ganhou uma forma, podemos dizer, mais “científica”. Naquele período buscou-se por metodologias capazes de avaliar melhor o risco. Foram os primeiros passos da nascente Teoria das Probabilidades que é, atualmente, a base da gestão de risco utilizada em casas de apostas e por apostadores profissionais, mas também para atividades como a escolha de títulos de investimento.

No século XVII, mais precisamente em 1638, na bela e romântica cidade de Veneza, foi aberto o primeiro estabelecimento especializado em ofertar para as pessoas a possibilidade de apostar em diversos tipos de jogos, o cassino, que é proveniente do conceito italiano casinò e que pode ser traduzido como uma “pequena casa”. Com a criação das roletas, essas casas de jogos se espalharam pela Europa e depois pelo mundo.

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No Brasil, os primeiros cassinos datam do período imperial e eles funcionaram legalmente até 1946. Neste período, especialmente durante o século XX, eles geraram muitos postos de trabalho direta e indiretamente. No entanto, sob o ridículo argumento de que os jogos eram degradantes para os seres humanos e nocivos à moral e aos bons costumes, o presidente Dutra, pelo decreto-lei 9.215, proibiu e fechou tais estabelecimentos no país. O falso moralismo e a hipocrisia são características de muitos brasileiros e eu poderia passar horas exemplificando a partir dos discursos conservadores, que ouço corriqueira e cotidianamente, no entanto, para não perder tempo, afirmo que não são os jogos ou os cassinos que atentam contra a moral ou os bons costumes. O que degrada o ser-humano é a pobreza, é a fome, é o desemprego, é a falta de perspectiva.

As apostas esportivas também não são recentes, elas datam do século XVII. Dois países reivindicam a autoria, a Inglaterra e a França. De concreto, ambos afirmam que essa modalidade de apostas começou a partir das corridas de cavalos. Os franceses, ávidos pela conquista, não perderam tempo e nos ofereceram até uma data específica, uma corrida em 15 de maio de 1651 no Bois de Boulogne. Vai uma fezinha em quem foi o inventor das apostas esportivas? Apesar desse surgimento temporalmente mais longínquo, as apostas em esportes só se generalizaram a partir do século XX.

Contemporaneamente, o boom das apostas esportivas vincula-se intimamente aos avanços da tecnologia interativa e o negócio experimenta um crescimento sem precedentes. No Brasil, que possui uma história mais recente no ramo, milhões de brasileiros, regularmente, fazem suas apostas esportivas on-line e, em 2020, movimentaram aproximadamente 7 bilhões e o setor espera bater a marca de 12 bilhões de reais esse ano.

Segundo uma pesquisa realizada e divulgada pelo UOL, dentro das apostas esportivas, o futebol é o líder absoluto. É interessante perceber que, em 2020, dos 40 times que disputavam as duas principais divisões do futebol nacional, 35 eram patrocinados por sites de apostas esportivas. Diante de números tão robustos e eloquentes, não é surpresa o escândalo sobre a manipulação de resultados, desvendados pela operação Penalidade Máxima.

O problema é bastante complexo e de difícil desenlace. Só os trouxas acreditam que existe uma solução mágica capaz de zerar as fraudes. Se não é possível acabar com toda a manipulação, a recorrência de casos no futebol italiano, por exemplo, demonstra que sua extinção é impossível, é preciso combatê-la. Diversas ações podem ser aplicadas com o intuito de conter os esquemas e blindar, em alguma medida, o futebol e outros esportes. Por falar na Itália, lembro que Paolo Rossi, o atacante italiano que nos eliminou da Copa de 1982, se envolveu, em 1980, no escândalo que ficou conhecido como “Totonero”. A “desalmada” justiça italiana bem que poderia ter alongado a pena, que foi de dois anos, evitando os dissabores que Rossi causou aos torcedores brasileiros na Copa da Espanha.

Em relação às apostas, urge a regulamentação do setor. O último governo, sabe-se lá por que razão, perdeu o prazo (12/12/22) e não assinou o decreto que regulamentaria as atividades das apostas esportivas no país. Como resultado, o mercado que movimenta bilhões de reais anualmente permaneceu nebuloso, caótico e livre de impostos. A inação governamental, pasmem, contrariou o desejo das próprias casas de apostas. Segundo Udo Seckelmann, advogado especialista do tema, “a regulamentação só traria benefícios ao Brasil: arrecadação de impostos, geração de emprego, proteção a apostadores e consumidores e segurança jurídica aos operadores de apostas”.

Eu defendo que a regulamentação vede a possibilidade de que sejam realizadas apostas em aspectos muito específicos, aquelas que dependem apenas da ação de um atleta, como os cartões amarelos e vermelhos. Por sinal, o esquema revelado pela Penalidade Máxima demonstrou que estas foram as principais apostas manipuladas. Também é importante lançar um olhar para os árbitros. Nenhum deles, é bom frisar, foi envolvido na atual operação, mas eles estão vulneráveis ao assédio dos manipuladores seja pela falta de profissionalização, seja pela baixa remuneração da categoria.

Outra novidade, publicizada nos últimos dias, é a criação de uma agência de combate à manipulação e que receberá todo o banco de dados das casas de apostas regularizadas e das empresas de monitoramento. Na Espanha e na Alemanha, os jogadores são instruídos a baixar o aplicativo Red Button. Ele serve como um canal de denúncias, garantindo o anonimato de quem relata a tentativa de aliciamento, dirigidas aos delegados de integridade que, por sua vez, as direcionam aos órgãos de investigação da polícia e do governo. No Brasil, por falta de garantias de segurança, praticamente não há registros de denúncias feitas pelos atletas, inclusive daqueles que recusaram ofertas. Segundo especialistas, deve-se estimular as denúncias sob sigilo, pois elas reduzem o poder de atuação das quadrilhas.

Enfim, quando comprovado o envolvimento na manipulação do resultado por parte de qualquer esportista, árbitro ou dirigente, entendo que o implicado deveria ser banido do esporte, afinal a perda de credibilidade do futebol no Brasil, por exemplo, pode acarretar a destruição de um dos nossos maiores e mais importantes patrimônios.

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