Por Luiz Henrique Borges
O Real Madrid conquistou seu oitavo título mundial. Ele não é apenas o maior campeão do torneio como abriu o dobro de taças em relação aos seus competidores mais próximos, o Milan e o Bayern de Munique. O principal concorrente dos merengues na Espanha, o Barcelona, possui três conquistas mundiais. Já os sul-americanos, antes habitués no local mais alto do pódio, estão cada vez mais distantes da taça.
Ao contrário do que afirmou Rodrygo, que esperava o Al Hilal para a decisão, acredito que a desclassificação do Flamengo deixou ainda mais escancarado o caminho rumo à taça para o clube espanhol. Não que a agremiação brasileira, em condições normais de pressão e temperatura, pudesse encarar, de igual para igual, o adversário europeu, mas certamente o Real Madrid não atuaria tão leve e solto como o fez contra a equipe árabe.
Os minutos iniciais da partida do último sábado já deram a tônica do que ocorreria ao longo dos 90 minutos. A legião estrangeira que atua em nome do Real Madrid envolveu inteiramente o seu adversário e, com muita facilidade, quase que com requintes de maldade, o que acredito não aconteceria contra um adversário sul-americano, abriu rapidamente dois gols de vantagem, mas não nocauteou o seu oponente que, aos 25 minutos, em um rápido contra-ataque marcou com Marega e transformou o domínio dos espanhóis, no restante da etapa inicial, em algo que, poderíamos dizer, se assemelha a uma certa instabilidade. Eu me atrevo a afirmar que os sauditas conseguiram equilibrar as ações após diminuírem o placar e causaram algum desconforto ao seu poderoso adversário.
Se os últimos vinte minutos da etapa inicial deram esperanças para o Al Hilal, o segundo tempo desconstruiu qualquer ideia ou sonho de equilíbrio. Decidido a não dar a menor chance para o azar, comum em decisões em jogo único, o Real Madrid retornou do intervalo determinado a liquidar o seu oponente. Não demorou muito e os merengues, aos 8 e aos 12 minutos, ampliaram o placar para 4X1.
O Al Hilal, mesmo goleado, não abdicou de atacar o seu adversário e conseguiu marcar o segundo gol aos 18 minutos. O gol saudita não alterou a disposição e o rumo da partida e pouco depois, o melhor jogador em campo, Vini Junior, marcou o seu segundo gol no confronto e o quinto do seu time. A jogada foi linda, o craque brasileiro deu uma caneta em Abdulhamid e passou para Dani Ceballos, que driblou outro adversário. A bola, sempre afeita ao toque carinhoso do craque, se distanciou um pouco do controle de Ceballos, como se ela, conscientemente, buscasse os pés de Vini Junior que, como todos os gênios, também deseja, incansavelmente, ter a posse do seu complemento. O brasileiro chutou-a, com paixão e delicadeza, para o fundo das redes.
O sucesso, a maneira descontraída de jogar e a irreverência ao comemorar os seus gols transformou Vini Junior em alvo de constantes ataques racistas pelos “civilizados” europeus. No entanto, o brasileiro, descendente dos africanos, importantes construtores da nossa riqueza cultural, responde aos seus medíocres detratores com coragem, com gols, com jogadas encantadoras e com títulos, muitos deles construídos pelo próprio atacante.
No final do segundo tempo, Michael, do Al Hilal, entrou em campo e fez um salseiro. Muito veloz, ele criou boas jogadas e, em uma delas, Vietto marcou o último gol da partida e o terceiro de seu time. Apesar da disposição e até coragem do time saudita, ninguém, em sã consciência, sentiu que, em algum momento do segundo tempo, o Real Madrid perderia o controle do jogo e o título. A percepção, ao longo de todo o jogo, exceto nos minutos finais da primeira etapa, é de que o Real controlava o confronto e que, com a máxima naturalidade, faria os seus gols. Enfim, o clube espanhol cumpriu o seu favoritismo ao vencer o seu oponente, o Al Hilal, por 5X3.
Já que estamos falando do time merengue, um dos maiores senão o maior clube do mundo, gostaria de fazer uma menção ao interessante documentário, indicado abaixo, que aborda uma infindável discussão presente no futebol espanhol: o papel da ditadura franquista (1936-1975) para tornar o modesto Real Madrid em um gigante conhecido em todo o planeta.
O documentário, de autoria de Carles Torras, produzido em 2014, possui o seguinte título: “O Madrid real. A lenda negra da glória branca”. Ele defende a ideia de que o clube da capital espanhola era um time modesto e que o seu crescimento é fruto dos favores da ditadura encabeçada por Franco. O filme conta com depoimentos de ex-dirigentes, do craque Di Stéfano e até do neto do ditador espanhol. Ele pode ser encontrado na internet, no site: https://ludopedio.org.br/biblioteca/la-leyenda-negra-de-la-gloria-blanca/.
O documentário, de pouco menos de uma hora, apresenta quatro importantes argumentos na defesa de sua hipótese: a influência franquista na contratação do craque argentino Di Stéfano, a construção do estádio Santiago Bernabéu, o uso do clube para promover o regime e como propaganda internacional e, finalmente, os favores dos árbitros para a equipe merengue.
O jogador argentino, reza a lenda, iria assinar com o Barcelona, equipe símbolo da Catalunha e que contava com um time poderoso comandado pelo húngaro Ladislao Kubala. Franco, contrário ao independentismo catalão e interessado em fortalecer sua imagem e a do seu regime, interna e externamente, resolveu auxiliar o Real Madrid, clube que, apesar do ditador nunca ter afirmado, seria o seu time do coração.
Para contar com Di Stéfano era preciso superar a confusão entre o River Plate e o Millonarios da Colômbia que disputavam os direitos sobre o jogador. O clube catalão fechou com o clube argentino e o Real tratou diretamente com os colombianos. A inusitada decisão da federação espanhola foi que o craque atuasse uma temporada em cada time durante quatro anos. O Barcelona considerou o negócio absurdo e desistiu da contratação do atleta que foi jogar e fazer enorme sucesso no Real Madrid. Segundo o documentário, a decisão da federação espanhola foi resultado da pressão de Franco.
As confusões e fofocas que envolvem dinheiro público e a construção de estádios não são privilégios da vida política brasileira. A película afirma que a construção do estádio só foi viabilizada com dinheiro público. É importante lembrar que Santiago Bernabéu, na época, era o presidente do Real Madrid e que além de ex-jogador do clube ele foi soldado nas tropas de Franco.
Independente da polêmica da ajuda ou não do regime franquista, é fato que o Real Madrid, sob os auspícios do ditador, encerrou um jejum de duas décadas sem ganhar o Espanhol e, a partir daí, tornou-se um clube muito vencedor. Enfim, a história do gigante espanhol não é tão imaculada quanto o seu uniforme.