Por Luiz Henrique Borges
A Copa do Mundo modificou o momento da minha escrita. Geralmente, acompanho ao longo da semana os principais acontecimentos no “mundo da bola” e na quinta-feira, com uma ideia já formulada, elaboro a crônica que será publicada no sábado. O Mundial do Catar atrapalhou e atrapalha toda a programação. No momento em que estas palavras aparecem na tela do computador, estamos a menos de 2 duas horas do confronto contra a Croácia pelas quartas de finais e que pode, após oito anos, nos colocar mais uma vez entre as quatro principais seleções do Mundial e, principalmente, manter vivo desejo de levantar a taça pela sexta vez.
No momento, ainda não sei como a crônica será finalizada. O tom, mais alegre ou triste, dependerá se o Brasil vencerá ou não a seleção europeia. Entendo que a nossa equipe é melhor que a croata e, por isso, tem maiores possibilidades de avançar na competição, mas lembrando o folclórico ex-presidente do Corinthians, Vicente Matheus, “o jogo só acaba quando termina”. Apesar da redundância da construção frasal, há verdades importantes que precisam ser ressaltadas em seu enunciado. No futebol, mais que em outros esportes, a zebra, o resultado inesperado, se faz muito mais presente, desta forma, não podemos, em hipótese alguma, contar com a vitória antecipadamente, não comemore antes da hora. A Seleção Brasileira é melhor, mas terá que confirmar em campo o seu favoritismo.
Se os nossos atletas entrarem focados e determinados como fizeram, particularmente, no primeiro tempo contra a Coreia do Sul, deveremos vencer o jogo. Foi um espetáculo de dribles, tabelas envolventes e chutes certeiros. Na etapa final, com a classificação já assegurada, apesar do Brasil ter criado jogadas de perigo, os atletas reduziram visivelmente o ritmo, talvez, inclusive, com medo de uma nova contusão, afinal nas três primeiras partidas, durante a fase de grupos, nós perdemos jogadores em todos os jogos, totalizando cinco baixas, duas delas, Gabriel Jesus e Alex Telles, para todo o Mundial.
A questão das contusões é um tópico interessante e que deverá pautar diversas discussões no futuro próximo. A Copa do Catar é disputada no meio da temporada europeia, ou seja, na teoria, os atletas estão em sua plenitude física. Então, por que tantas contusões? Não tenho formação na área, mas elaboro minhas hipóteses. A temporada no velho continente, de onde vem a maior parte dos jogadores, foi comprimida em virtude do Mundial e ainda há o rescaldo da pandemia que também afetou e apertou os calendários. Em outras palavras, os atletas realizaram um número maior de jogos em um prazo de tempo mais curto, o que pode incidir em um número maior de contusões.
Outro ponto, o futebol se tornou um esporte muito mais físico e na medida em que os jogadores estão melhores preparados, as disputas de bola, os choques, as divididas, são mais duras e os riscos de contusões mais elevados. Finalmente, como a Copa do Mundo se torna o foco do futebol e, ao contrário das temporadas normais, em que diversos campeonatos dividem nossa atenção, nosso olhar se concentra no Mundial. Durante a temporada, diversos jogadores se contundem e ficam dias, semanas e até meses se recuperando. Se a lesão não for muito grave, o atleta provavelmente voltará a atuar antes que o campeonato termine. Na Copa do Mundo, competição de tiro curtíssimo, não há tal possibilidade. Como não dividimos as nossas atenções com outros campeonatos e o tempo de recuperação é muito estreito, as contusões dos jogadores possuem um impacto muito maior.
Após a boa vitória contra a Coreia, mais um europeu, o irlandês Roy Kenae, ex-jogador de muita virilidade e pouca habilidade, criticou as danças nas comemorações dos gols realizadas pelos jogadores brasileiros e, no último jogo, também por nosso treinador que, desajeitadamente, realizou a “dança do pombo” ao lado de Richarlison. Concordo com o treinador português, Luís Castro, atualmente no Botafogo, que achou a fala de Kenae deselegante, desnecessária e proferida por alguém que desconhece a cultura brasileira.
Alguns europeus, provavelmente de “cintura dura”, como é Kenae, mais notabilizado por suas entradas violentas, passaram a criticar a forma, particularmente as danças, com que diversos jogadores brasileiros comemoram seus gols. O argumento sempre utilizado por tais presunçosos é que a dança desrespeita o adversário.
Os discursos de respeito estão sepultando boa parte da alegria e do inusitado no futebol. Daqui a pouco, o drible mais simples e comum será taxado com deboche e valerá um cartão amarelo e em caso de reincidência o jogador será expulso de campo. Tais falas, curiosamente, não costumam ser construídas por jogadores e ex-jogadores que se notabilizaram pela habilidade e técnica, mas normalmente são proferidas pelos esforçados cabeças de bagre.
Caro Keane e demais frustrados com a arte do futebol, a dança feita por Tite e seus jogadores demonstraram apenas o bom ambiente existente na Seleção Brasileira. Podemos, no máximo, afirmar que o treinador brasileiro desrespeitou os bons dançarinos com seus passos desengonçados. Entendo que a maior desconsideração que o Brasil teve contra a Coreia do Sul não foram as comemorações, mas a redução do ritmo de jogo na etapa final. Na goleada sofrida para a Alemanha, em 2014, eu sofri, claro, em cada um dos sete gols, mas nada foi mais duro e humilhante do que o desinteresse, quase com compaixão e piedade, com que os alemães atuaram na segunda etapa. Eles deveriam ter feito 10, 12 ou 15 gols, teria sido menos desrespeitoso. A vontade de vencer, o interesse pela partida, as jogadas de efeito, os gols, não desrespeitam ninguém, mas talvez elas tragam lembranças e memórias que aqueles que foram pouco habilidosos gostariam de esquecer.
Toda minha inspiração para escrever a crônica que você lê neste momento terminou no momento em que conseguimos a proeza de tomar o gol de empate de uma seleção, a Croácia, que não possui a mínima força ofensiva. O Brasil fez um primeiro tempo fraco, não “mordeu” os croatas e parecia uma equipe que, certa da vitória, se poupava para a desejada semifinal. Isto é desrespeito! E ele pune.
Na prorrogação Neymar fez um golaço. Era para ser o gol da vitória. Nos últimos quinze minutos faltou ao Brasil a malícia de uma equipe que quer ser campeã. Fred, ao invés de cavar a falta no ataque, resolveu levantar e disputar a bola que resultou no início da jogada do gol adversário. Desestabilizado emocionalmente após o empate, o Brasil foi superado por uma equipe acostumada a avançar nas penalidades. A Copa do Mundo costuma punir quem joga abaixo do seu potencial e foi o que ocorreu com a Seleção Brasileira. Do otimismo inicial da crônica, restou o amargo da eliminação e, de cabeça quente, percebi que não seria o melhor momento para recomeçar o trabalho. Vai sobrar xingamento para muita gente!