Por Luiz Henrique Borges
Estamos vivenciando a vigésima segunda Copa do Mundo e o principal evento do futebol é tão exclusivo que apenas 8 seleções já conquistaram a cobiçada taça. Particularmente, mesmo com as zebras, acho pouco provável que tenhamos um novo membro no seleto grupo este ano. Portugal, por exemplo, que conta com uma equipe jovem e habilidosa, oscila partidas qualificadas com jogos bastante sofríveis. Em partidas eliminatórias, como teremos a partir de agora, a oscilação pode ser fatal.
Após a inesperada derrota para a Arábia Saudita, ouvi de diversos torcedores que a Argentina era carta fora do baralho. Imediatamente, eu pedi calma e lembrei, por exemplo, da Copa de 1990. Os campeões do mundo na edição anterior perderam na estreia para Camarões, sofreram para vencer a “falecida” União Soviética por 2X0, Maradona chegou a evitar um gol soviético com a mão e, na rodada final, empataram em 1X1 com a Romênia. Os nossos vizinhos avançaram como um dos quatro melhores terceiros colocados e nos enfrentamos na fase seguinte. O resultado é conhecido, voltamos para casa após Maradona, mesmo “baleado”, desequilibrar o clássico e, em uma jogada genial, servir para o gol de Caniggia. Aos trancos e barrancos os ficaram com o vice-campeonato.
Na atual edição, os argentinos perderam na estreia para os sauditas e venceram os mexicanos mais no coração do que na habilidade. No entanto, na derradeira partida, contra a Polônia, os albicelestes venceram o adversário com muita autoridade e os poloneses, retrancados e fracos tecnicamente, fizeram um esforço desesperado para não levar o terceiro gol. Não se pode descartar, mesmo após um tropeço, uma equipe como a Argentina, principalmente quando ela conta com Messi, um gênio.
Mais tranquilos, não acredito que os argentinos serão surpreendidos pelos australianos e, na minha opinião, eles serão os nossos oponentes nas semifinais. Nunca gostei de tê-los como adversários, mas fiquei muito feliz, nas leituras que fiz no doutoramento, quando abordei a rivalidade entre brasileiros e argentinos, que eles também temem nos enfrentar.
Não me causou estranheza a declaração do jovem treinador argentino, Lionel Scaloni, afirmando que estava feliz com a classificação antecipada do Brasil e que ele torce pelo sucesso das equipes sul-americanas. A imprensa brasileira reverberou bastante tal fala com ar de surpresa o que apenas reforçou a hipótese que verifiquei durante a elaboração da pesquisa de doutorado: nós estamos literalmente voltados para o Atlântico e não damos atenção e, de forma até ignorante, desconhecemos o que se encontra em nossas costas, ou seja, o que se passa com os demais países do continente sul-americano.
Os argentinos não só respeitam e apreciam o futebol brasileiro, como também torceram para a gente, como representantes do continente sul-americano, nas Copas de 1970 e 2002. Foram as nossas propagandas repletas de estereótipos e com traços de xenofobia, que as piadas de humor duvidoso e personagens jocosos eram incapazes de disfarçar, que afastaram os argentinos de nós. Donos de um humor cáustico e afiado, viramos alvo de seus cânticos e de seus mordazes periódicos. Neste jogo só temos a perder, boa parte das piadas consagradas mundialmente foram criadas por eles.
Em 2014, quando o juiz apitou o final do naufrágio brasileiro diante da fragata alemã, eu roguei uma praga: os alemães serão desclassificados na primeira fase do mundial tantas vezes quantos os números de gols que fizeram contra o Brasil. Caso queiram que eu tire a poderosa mandinga que já os atingiu duas vezes – agora só faltam cinco –, basta depositar 10 milhões de euros na minha conta. Neste valor, eu já descontei as desclassificações de 2018 e 2022. Neste ano, o manipanso contou com o luxuoso auxílio dos espanhóis, que após uma ótima estreia contra a Costa Rica também se mostraram, assim como os portugueses, muito instáveis e perderam para o Japão, resultado que mandou a única seleção que poderia nos igualar em títulos mundiais para casa. Mandinga mantida! Se eles quiserem que eu a revogue, posso passar meu pix. Fica a dica para 2026!
A última rodada da fase de grupos foi repleta de surpresas. As principais seleções que resolveram atuar com jogadores reservas foram derrotadas por duas equipes africanas e uma asiática. A preguiçosa Seleção Francesa perdeu para a esforçada Tunísia. Portugal caiu diante da Coreia do Sul e o Brasil, que dentre as equipes que atuaram com os reservas, apresentou o melhor futebol, malogrou para Camarões.
O Brasil jogou melhor que a equipe africana e até arrisco a dizer que o resultado foi injusto. No entanto, mesmo sabendo dos riscos de perder outros titulares para as fases eliminatórias, sou contra, absolutamente contra, que se jogue apenas com os reservas. A campanha brasileira está maculada e, apesar da equipe não ter atuado mal, ela mostrou aos seus adversários que pode ser derrotada. Em competições curtas, a imagem que se constrói de invulnerabilidade e a confiança são elementos fundamentais e, não tenho dúvida, que o Brasil, a França, a Espanha e Portugal terão que cimentar novamente o caminho.
Sendo assim, entendo que a seleção que chega mais embalada para a fase eliminatória é a que foi derrotada inicialmente, a Argentina. Ela teve, necessariamente, que crescer ao longo dos jogos e encontrou na última partida uma formação ofensiva muito perigosa. Defensivamente, em virtude da inoperância polonesa, não é possível fazer uma análise mais acurada.
O futebol carrega consigo um personagem que se chama Impremeditado, figurinha carimbada neste Mundial. Pensando friamente, só mesmo ele, em campo e suando em bicas, poderá equilibrar os diversos confrontos que se formaram para as oitavas de final. Ao meu ver, a presença do perigoso personagem é irrelevante em dois jogos: Portugal X Suíça e Croácia X Japão. Entendo que eles são cruzamentos equilibrados. Nos demais, espero que o Impremeditado se ausente apenas do jogo da tarde de segunda-feira no Estádio 974, o que foi construído, segundo a lenda, por 974 containers. É nele que o Brasil enfrentará a equipe sul-coreana. Faço um pedido ao Tite, para evitar a entrada do nefasto personagem é preciso que você coloque para jogar o que temos de melhor. A partir de agora, qualquer erro significará o retorno para casa.
Nos demais duelos, vou torcer muito para o Impremeditado, mesmo sabendo que dificilmente ele poderá fazer das suas em todos os jogos. Se bem que, no Catar, com as partidas sendo disputadas apenas em Doha e seus arredores, ele não terá que fazer grandes deslocamentos e, talvez por isso, sua presença tenha sido mais constante durante o Mundial.