Por Luiz Henrique Borges
Eu nasci um pouco antes do tricampeonato do Brasil e, desde que me entendo por gente, o futebol é parte integrante e indissolúvel da minha vida. Ele é diversão, é atividade física, é momento de socialização, é objeto de estudo, é inspiração para a escrita, mas acima de tudo, ele é paixão.
Não a paixão doentia e obsessiva, mas é um amor que se transfigura em plena alegria nas vitórias e em uma saudável dor nas derrotas. O futebol, assim como outros esportes, compõe o nosso processo educativo, ele nos ensina que durante as nossas vidas enfrentaremos situações de êxito, mas que também sofreremos perdas e que elas podem e precisam ser superadas. Sucesso e fracasso, alegria e tristeza, sempre serão transitórias.
O valor de um bem ou mercadoria advém da equação que confronta desejo e escassez. No futebol, a partida pode ser altamente técnica, repleta de jogadas incríveis e até sobrenaturais, mas o momento mágico, singular e que gera valor ao espetáculo é o gol. Todos os torcedores, sem uma única exceção, aguardam ansiosamente por essa fração de segundos que nos arrebata. Por melhor que seja a partida, com dezenas de jogadas de perigo construídas, por maiores que sejam as atuações dos goleiros, sempre resta uma ponta de frustração representada por aquele grito que ficou preso na garganta quando, após 90 minutos, o placar é um 0 a 0.
Como falei acima, eu sou da geração do tricampeonato e, durante muito tempo, eu tinha a certeza de que a comemoração do gol deveria ser a radiante corrida em direção à torcida que terminava com um salto e o soco no ar, magistralmente feito por Pelé.
Daí em diante, múltiplas maneiras de celebração foram criadas. Cobrir o rosto com a camisa, usar máscaras e até colocar um gorro de Papai Noel na cor verde para comemorar um gol palmeirense eu já assisti. Bebeto, por exemplo, ficou famoso mundialmente não apenas pelo futebol técnico, pelo tetracampeonato mundial e pela dupla formada com Romário que infernizou as zagas adversárias, mas também pela comemoração “embala neném” quando o atacante brasileiro marcou um dos gols da vitória contra a Holanda na Copa de 1994. A infinita criatividade humana nos oferece, neste momento tão especial, as suas mais diversas interpretações.
Nas últimas semanas, diversos atletas brasileiros sofreram com suas comemorações. Por aqui, Pedro Raul colocou as mãos aos ouvidos e olhou para a torcida adversária após marcar, de pênalti, o gol de empate. A partir daí, ecoaram pelo estádio do Bragantino gritos homofóbicos. O severo juiz, atento as subjetivas imposições da FIFA e pressionado pelos insatisfeitos jogadores do clube paulista, entendeu que o atleta goiano provocou os torcedores e acabou sendo punido com o cartão amarelo.
O Bragantino, educada e polidamente, emitiu uma nota de repúdio em suas redes sociais e prometeu que envidará todos os esforços para identificar e punir tais torcedores. Em suma, o atacante do Goiás terminou suspenso do próximo confronto de seu clube, enquanto, certamente, nada acontecerá com os preconceituosos torcedores. Quem realmente saiu perdendo? Pedro Raul fará falta com seus gols, mas não tenho a mesma certeza em relação aos indivíduos que vão para as arquibancadas sem a maturidade necessária para lidar com as adversidades.
Neymar, no último dia 14, também se envolveu em polêmica semelhante. Em jogo da Liga dos Campeões, o brasileiro marcou o derradeiro gol na vitória por 3 a 1 de seu clube, o Paris Saint-Germain, contra o Maccabi Haifa de Israel. Na comemoração ele fez uma careta, assustadora é bem verdade, mas que o atleta já faz ao longo de toda a temporada. O juiz alemão, Daniel Siebert, talvez assustado com tanta feiura, resolveu amarelar o atacante. Mais uma vez a provocação à torcida adversária foi a justificativa para o cartão.
O mais ridículo, xenófobo, preconceituoso, racista e degradante comentário sobre uma comemoração partiu do espanhol, presidente da Associação de Empresários de Jogadores, Pedro Bravo no programa El Chiringuito de Jugones e atingiu Vinícius Júnior. O deprimido e sorumbático espanhol, tão distante da cordialidade e da alegria que emana de seu país, entendeu que as danças feitas pelo brasileiro após marcar os seus gols é um desrespeito aos adversários. Demonstrando sua percepção etnocêntrica e incapaz de incorporar outras culturas, ele afirmou: “(…) E quando você marca um gol em seu adversário, se quiser sambar, vá para o Sambódromo, no Brasil. Aqui, o que você tem que fazer é respeitar seus companheiros de profissão e deixar de fazer macaquice”.
Acho muito curioso, para não dizer algo menos educado, que o Sr. Pedro Bravo e outros comentaristas espanhóis jamais tenham criticado as danças encenadas pelo francês, branco e “civilizado”, Antoine Griezmann. Os movimentos robotizados do atleta europeu, imitando um dos games mais populares do mundo, não causam incômodo aos antigos colonizadores do Novo Mundo, já o molejo demonstrando pelo jovem afro-brasileiro, crescido orgulhosamente no samba, importante matriz cultural de nosso pais, é motivo da ira obscena e néscia presente na mentalidade retrógrada daqueles que ainda acreditam que cumprem a missão de levar a civilização aos selvagens.
Após a polêmica, ocorreu o clássico da capital espanhola entre Atlético e Real Madrid. Não bastasse os cânticos ofensivos proferidos contra Vini Jr., provenientes da perigosa e violenta torcida neonazista denominada Frente Atlético, alguns torcedores, no estádio, resolveram fazer a repugnante saudação nazista após Vinícius Júnior e Rodrygo, dois negros brasileiros, comemorarem, dançando, o primeiro gol contra o adversário.
Felizmente, o atleta brasileiro, que contou com amplo apoio de torcedores e personalidades do mundo do futebol, não se curvou, reafirmando a sua vontade e o seu direito de dançar. Espero, sinceramente, que a FIFA, no seu afã controlador e disciplinador, não resolva incluir as danças na sua nefasta lista de comemorações proibidas.
Compreendo que as celebrações dos jogadores não devem ser desrespeitosas, mas nada é mais “desrespeitoso”, no sentido de triste e abominável para o torcedor, que o próprio gol do adversário. Como botafoguense, não é a comemoração do chororô que me incomoda ou machuca em relação ao Flamengo, mas é o gol em si. Se ele não ocorresse, não haveria chororô, não haveria a alegria e a gozação adversária. Espero que a FIFA não descubra que as danças, as mãos nos ouvidos, as caretas e tantas outras formas de comemoração são motivadas pelo gol. Imaginem, meus amigos leitores, e já começo a tremer de medo só de pensar na possibilidade, se a FIFA descobrir a verdade e para evitar as desavenças e desgostos, resolver proibir o momento mais sublime do futebol. Por aqui, eu só quero seguir torcendo com mais esperança, alegria e menos ódio, no esporte e na vida.