*O texto a seguir é um artigo opinativo e, portanto, é de inteira responsabilidade de seu autor. As possíveis opiniões e/ou conclusões nele emitidas não estão relacionadas, necessariamente, ao ponto de vista do Distrito do Esporte.
Por Gabriel Caetano*
A notícia da parceria milionária entre Banco de Brasília (BRB) e o Flamengo, clube de futebol do Rio de Janeiro, foi um estrondoso soco na cara de quem vive o esporte local. Porém, não foi uma surpresa. Revoltada desde quando o Cerrado Basquete ficou de fora do Novo Basquete Brasil (NBB) para que o Flamengo Basquete pudesse ser patrocinado pelo banco local, a “população esportiva” candanga chegou ao seu estopim.
E a causa dessa revolta tem nome e sobrenome: Ibaneis Rocha, Governador do Distrito Federal e sócio conselheiro do Flamengo, com um sonho de assumir a presidência do seu clube de coração.
Deixo recado a quem acredita que a forte imagem do Flamengo no cenário esportivo mundial justifica esse patrocínio: existem obrigações legais para fomentação do esporte pelo BRB e GDF, além de que estamos diante do fato estrondoso de termos uma máquina pública com torcedores deslumbrados no comando, colocando o Governo do Distrito Federal em segundo plano. Para isso não tem desculpa, só críticas e cobranças.
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A odisseia flamenguista do Governador
Em 19 de setembro de 2019, Ibaneis Rocha deu entrevista ao Correio Braziliense expondo sua vontade de assumir o cargo máximo na política rubro-negra. “Se não ficar na política, quero ser presidente do Flamengo”, disse à época. Sua vontade foi exposta apenas 261 dias após iniciar sua caminhada a frente do Executivo Distrital. Porém, suas atitudes expunham a vontade clubista que, às vezes, chegou a transcender “limites”.
Dois meses antes de declarar sua vontade de ser presidente do Flamengo, Ibaneis transcendeu o primeiro “limite”: anunciou a patrocínio ao time de basquete rubro-negro. Uma parceria inédita por ser o primeiro clube esportivo de fora do Distrito Federal a receber patrocínio do Banco de Brasília (BRB). Isso já seria o bastante para despertar a raiva de simpatizantes do esporte local à míngua de apoio – só que tem mais.
O Cerrado Basquete, clube de basquete do Distrito Federal estava pleiteando uma vaga no NBB e precisava da parceria com o BRB para ter sua inscrição aceita. Porém, acabou ficando de fora e Ibaneis tentou explicar. “Pegamos (para patrocinar) os times que tinham mais títulos”, desconsiderando o seu papel como Governador do Distrito Federal e, ainda, a Lei de Criação do Banco de Brasília, que garante a relação prioritária de fomentação do bem-estar da população local.
Ainda teve o Universo/Brasília recebendo auxílio do BRB. Entretanto, o Flamengo se tornou o maior beneficiário, com uma quantia de R$ 1 milhão a mais que o clube candango. A prioridade, no caso, foi carioca.
O papel de torcedor de Ibaneis vem sendo bem designado. Não à toa, por duas vezes em seu exercício a frente do Executivo Distrital, pegou seu jatinho para assistir seu clube de coração pela América do Sul, incluindo uma viagem como chefe da delegação rubro-negra no Equador e uma licença de 5 dias das atribuições do GDF para ir ao Peru ver seu amado clube carioca.
Ibaneis transparece seu ar de torcedor e não perdeu nenhuma partida do rubro-negro em Brasília, inclusive estava correndo atrás com entusiasmo para o Mané Garrincha sediar a disputa do Campeonato Carioca em meio à pandemia, mesmo com um hospital de campanha no estádio.
“General (Heleno), estou trazendo o Flamengo para jogar aqui no Mané Garrincha, sem público. Só nós dois vamos ver de camarote”
Ibaneis Rocha, Governador do DF
Seria lindo se no exercício de Governador, Ibaneis esbanjasse esse amor pelo esporte. Mesmo o Mané Garrincha sendo administrado pelo consórcio Arena BSB, Ibaneis disponibilizou o estádio ao Flamengo. Com os clubes do DF, a coisa é bem diferente. Em 2020, o Capital, clube que tem o mesmo estádio como local de mando das suas partidas no Candangão, teve de “se mudar” para o Bezerrão por causa das dificuldades para liberação.
Aliás, problema habitual em todos os estádios do Distrito Federal, mas só em disputa de clubes locais – sempre está liberado para os clubes de fora.
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As coisas pioram quando um Gama e Brasiliense, o maior clássico do futebol local, foi disputado com portões fechados, pois não se garantiu segurança suficiente para a disputa com presença dos torcedores. Porém, no dia seguinte, não faltou segurança para os mais de 60 mil presentes na partida entre Flamengo e Athletico Paranaense, pela Supercopa do Brasil, no Mané Garrincha.
Ibaneis poderia ao menos receber os dirigentes do futebol local com a mesma frequência e cordialidade da qual recebe Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. Quem saber prometer (e cumprir) o mesmo que diz para o mandatário rubro-negro.
O que esperar de alguém que em 1 ano e meio de mandato como Governador nunca apareceu em uma partida do futebol local, seja na Série A do Campeonato Brasileiro Feminino com o Minas/Icesp “arrochando” tradicionais clubes nacionais, nas disputas candangas na Copa do Brasil e Série D do Brasileirão, ou mesmo prestigiando uma final de Candangão.
Seria o mínimo, já que ele ama tanto o futebol, mas para ele é mais interessante insinuar que aqui não tem clube grande como “desculpa” para sediar uma Fan Fest do Flamengo no Mané Garrincha, com telões e shows – imagina como iria ajudar se o dinheiro investido nesse evento tivesse ido para o esporte local.
Ao esporte local, as migalhas
Antes de discorrer sobre o apoio financeiro ao futebol local, quero deixar dois trechos sobre a Lei Orgânica do Distrito Federal:
Art. 3º São objetivos prioritários do Distrito Federal:
VIII – preservar sua identidade, adequando as exigências do desenvolvimento à preservação de sua memória, tradição e peculiaridades;
IX – valorizar e desenvolver a cultura local, de modo a contribuir para a cultura brasileira.
Art. 4º O art. 159, § 3º, da Lei Orgânica do Distrito Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
§ 3º Na aquisição de bens e serviços, os órgãos da administração direta e indireta, sem prejuízo dos princípios da publicidade, transparência das contas públicas, legitimidade e economicidade, darão tratamento preferencial, nos termos da lei, a atividades econômicas exercidas em seu território e, em especial, a empresas brasileiras de capital nacional.
O BRB é um banco de economia mista, sendo o GDF dono de cerca de 97% das ações. Em seu estatuto social, aprovado em 2019, não há nada que impeça o BRB de fazer investimentos em outras áreas do território nacional, mas tanto no estatuto social como na Lei de Criação do banco, existe correlação com a população do Distrito Federal, deixando claro o compromisso com a fomentação do bem-estar dos brasilienses.
É importante dizer que o BRB investe em vários esportes locais, além do basquete e futebol masculino já citados. De acordo com informações repassadas nas redes sociais, o BRB destina recursos ao Brasília Futsal, equipes masculina e feminina do Brasília Vôlei, equipe feminina do Minas/Icesp e Federação de Vela Adaptada.
Isso não quer dizer que o Banco de Brasília dá prioridade à população local e nem que segue a Lei Orgânica do DF e seu próprio estatuto. Entre todos os recursos destinados à fomentação esportiva no Distrito Federal, o valor total não chega nem perto de metade da metade do que será destinado ao Flamengo.
O clube rubro-negro receberá cerca de sete vezes mais do valor total acumulando todos os patrocínios esportivos do BRB ao esporte local. Isso não pode ser tratado como prioridade ao bem-estar da população do Distrito Federal.
Futebol do Flamengo receberá 5.500% a mais que todos os clubes do Candangão
Em 2019, foram destinados R$ 512 mil aos clubes candangos que cumpriram os requisitos exigidos em edital. Tradicionalmente, o pagamento é feito por jogo, com aumento gradativo nas fases finais do Campeonato Candango. O Paracatu, terceiro colocado no torneio passado, levou a maior parte do bolo: R$ 113,5 mil.
A parceria com o Flamengo destina R$ 32 milhões garantidos por ano, ou seja, mesmo sendo clubes sediados no Distrito Federal, área de atuação majoritária do BRB e onde ele é obrigado por lei a dar prioridade de fomentação do bem-estar, houve uma divisão entre clubes candangos de apenas 1,6% do que será destinado ao Flamengo, um clube do Rio de Janeiro. Repito: isso não é apoiar prioritariamente o esporte do Distrito Federal.
Em 2020, o BRB chegou a anunciar que não iria disponibilizar o tradicional patrocínio de mais de 10 anos ao Candangão, mas voltou atrás, passando a negociar com apenas quatro dos 12 clubes, mas já com o campeonato em andamento. O resultado foi gritante: a queda de nível no Candangão vem levado cada vez mais os clubes a apostar em parcerias com o futebol amador e jogadores cada vez mais sofrendo com o atraso de salários.
“Se os clubes locais tiverem 1% do que foi dado ao Flamengo, faríamos coisas melhores e teríamos um compromisso muito maior com o futebol profissional. Aproveitaríamos para propor a fazer um trabalho social grande nas comunidades dos clubes hoje filiados”
Márcio Coutinho, diretor de competições da Federação de Futebol do Distrito Federal, em entrevista ao Correio Braziliense, em 25/01/2020
Clique e saiba mais:
– Em janeiro, BRB não garantia patrocínio para o Candangão
– Sem descartar ajustes, BRB mantém repasses de patrocínios durante pandemia
– BRB anuncia que iniciou negociações para patrocinar times do Candangão
Com o patrocínio ao Flamengo anunciado e a ira despertada nos torcedores locais, o Banco de Brasília esbanja sua felicidade em “apoiar” o esporte local frequentemente com notas, matérias patrocinadas e por aí vai. Coitado da equipe de comunicação do banco. Como jornalista, me solidarizo por eles.
Quem está no esporte candango não cai nessa ladainha e o limite chegou.
Torcedores do Gama iniciam protesto a favor do esporte local
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Irritados com a parceria anunciada com o Flamengo, diretores da Ira Jovem Gama e torcedores alviverdes se reuniram para organizar um movimento em prol do esporte candango. Na próxima quinta-feira (25/6), às 9h30, haverá manifestação em frente ao prédio da sede do BRB, no Setor Bancário Sul.
Intitulado como “Movimento pelo Esporte do DF”, o objetivo é questionar a prioridade dada ao Flamengo pelo Governador, a queda de recursos ao esporte local e expandir o movimento a todos os clubes de futebol e esportistas locais.
*Gabriel Caetano é jornalista formado pelo Icesp. Pesquisador do futebol candango com foco na Sociedade Esportiva do Gama desde a adolescência, trabalhou como analista de comunicação e marketing do clube em 2019, tendo sido ainda diretor de marketing do Capital na reestruturação do clube, em 2018. Divide seu tempo entre curiosidades no Histórias do Gamão e a agência na qual é sócio, a RC Marketing Esportivo.
Uma vergonha Sr. Governandor-torcedor. Como protesto solitário, encerro minha conta e aplicações no BRB e vou para o Banco do Brasil.E ver o Gama, com uma torcida imensa no DF e entorno, ser preterido. Vergonha, vergonha, vergonha.
Já vou abrir minha conta no BRB, só da notícia sair na mídia as ações do BRB subiram legal.