Por Danilo Queiroz
Com caixa vazio e enfrentando problemas políticos, o Luziânia passou por apuros administrativos que quase o deixaram de fora do Campeonato Candango de 2020. Em 9 de janeiro, uma parceria que terceirizou o departamento de futebol goiano surgiu como uma luz no fim do túnel e garantiu a participação do time na competição com a montagem de um elenco que, inclusive, classificou o clube para a segunda fase do torneio local.
O que se tornou um final feliz esportivo, porém, acabou deixando em segundo plano a história de jogadores que defenderam o Igrejinha na temporada passada e deixaram o clube com salários a receber. “Terminamos o campeonato de 2019 e ficou mais de um mês trabalhado para trás. Já faz um ano que estamos tentando receber”, lamentou o zagueiro Tom, que entrou em campo em sete partidas na campanha anterior.
“Estamos nessa situação difícil sem trabalho por causa dessa pandemia. Se pelo menos o Luziânia acertasse o que está devendo já nos ajudava, pois não temos outro emprego e vivemos disso. Para muitos futebol é só diversão. Para nós é nosso trabalho. É daí que pagamos o pão de cada dia para nossos filhos”, acrescentou outro profissional que esteve no clube em 2019.
Preocupados com a incerteza, os jogadores buscaram manter contato frequente com os dirigentes para cobrarem uma posição. Quando conseguiam, porém, a justificativa seguia sempre a mesma linha. “O Fábio Silva (ex-presidente) não nos pagou porque o dinheiro que vinha da Prefeitura estava retido. O Valdiron Gonçalves e o José Egídio assumiram o clube e mantêm o mesmo discurso que vão pagar. Já se passou um ano”, continuou Tom.
Aos poucos, as explicações deram lugar ao silêncio. Segundo os ex-funcionários, a comunicação com os dirigentes responsáveis pelas dívidas passou a ser cada vez mais rara e os atletas passaram a conviver com a falta de informações concretas. “O problema é que eles não se posicionam mais. A gestão passada não nos atende e essa nova diretoria fala que não tem nada a ver com a situação”, lamentou o auxiliar técnico Bruno Lessa.

Luziânia reconhece dívida, mas diz não saber quanto deve
Todos os membros da antiga e da atual diretoria procurados pelo Distrito do Esporte reconheceram que o Luziânia tem pendências com diversos atletas que vestiram a camisa do clube no último Candangão. O valor total do passivo, porém, é incerto até mesmo para o atual presidente, José Egídio, que assumiu no lugar de Fábio Silva, que esteve à frente do time goiano até dezembro de 2019, quando renunciou.
“Perivaldo, Willian, Dan, Marlon e Tom me procuraram e expliquei a situação. Atendi todos. Infelizmente eu não sei quanto devemos porque não tem contrato. Eles que me falam. Não tenho acesso às dívidas porque o clube está devendo o contador. Se puderem aguardar, iremos pagar. Caso não possam, têm o direito de entrar na Justiça. Reconhecemos a dívida, mas, a não ser que o dinheiro da Prefeitura seja desbloqueado, vamos demorar.”
Presidente do Conselho Deliberativo e membro da diretoria anterior do clube goiano, Valdiron Gonçalves também alegou não saber o tamanho do débito com os atletas de 2019. “Eu assumi o Luziânia com a renúncia do Fábio. Até o momento, o mesmo não me passou nenhuma prestação de contas de quanto é a dívida. Sei que ele não pagou alguns profissionais que estavam no clube na época, mas não tenho essa relação”.
O Distrito do Esporte, porém, teve acesso ao ofício 001/2020, de janeiro, onde o clube assume ter conhecimento dos valores devidos a 29 nomes entre jogadores e prestadores de serviço, como o hotel onde o elenco se concentrava. “Eles assinaram a folha. Tenho áudios do presidente da época (Fábio Silva) dizendo que os valores estavam com o Valdiron e o José Egídio”, rebateu o meio-campista Willian, que hoje defende o Capital.

Em novo contato com a reportagem realizado após a publicação da matéria, José Egídio explicou que o ofício não é válido como documento que comprove as dívidas com os atletas. “Uma relação de débitos que tem de ter anexo documentos, contratos, balanço e balancetes comprovando os referidos débitos. Você não pode pagar nada sem documentos e que não estejam registrados no balanço do clube”, destacou.
Segundo o presidente, a atual diretoria sequer recebeu o Balanço referente a 2019. “Os débitos com os jogadores estão registrados na contabilidade e os débitos com pessoas jurídica têm que ter contratos para serem reconhecidos. Funcionários, jogadores e comissão técnica esses sim têm registros. Resumindo: a diretoria executiva não recebeu documento algum que comprove débitos com prestadores de serviços e empresas”.
O Distrito do Esporte procurou Fábio Silva para que ele pudesse comentar a cobrança feita pelos atletas, mas, após responder as primeiras mensagens enviadas pela reportagem, o ex-presidente do Luziânia optou por não se manifestar sobre a situação. O espaço segue aberto para a manifestação do dirigente e esta reportagem será atualizada caso isso aconteça.
Verba bloqueada pelo MPGO iniciou o problema
A bola de neve que culminou no débito começou a tomar forma em abril de 2019. Na ocasião, o Ministério Público de Goiás (MPGO) expediu recomendação ao prefeito de Luziânia, Cristóvão Vaz Tormin (que atualmente está afastado do cargo por uma denuncia de importunação sexual), para que suspendesse o repasse de verba pública ao clube azulino. Entre 2013 a 2018, o investimento do município na equipe foi de R$ 2,6 milhões.
Os pagamentos foram cortados após o prefeito enviar à Câmara Municipal um projeto que criava o Fundo Municipal de Incentivo ao Esporte e Lazer, que destinada recursos da Lei Orçamentária Anual ao Luziânia. Opositor de Tormin, o vereador Everaldo Meireles Roriz apontou que o projeto (elaborado em três parágrafos) havia sido apresentado sem qualquer discussão no Poder Legislativo a respeito da motivação.
“Priorizar o futebol profissional em detrimento da saúde e demais direitos sociais essenciais à dignidade do ser humano, como saneamento básico, fornecimento regular de água tratada, moradia, segurança pública etc, é espancar o princípio constitucional republicano e configura, sem dúvida nenhuma, ato flagrante de improbidade administrativa”, justificava a recomendação proferida pelo MPGO.
Acordo de terceirização prevê parte da arrecadação para dívidas
Atualmente, o departamento de futebol do Luziânia é gerido por uma equipe de dirigentes de uma empresa que também deve comandar a Aruc, time da Segunda Divisão do torneio local. A parceria envolveu a montagem do atual elenco e o pagamento das despesas referentes à temporada 2020. O passivo anterior, porém, seguiu com o clube e não foi inserido diretamente no acordo.
O presidente José Egídio esclareceu que o acordo prevê que parte dos patrocínios e a renda de bilheteria fique com o clube, mas que isso não está sendo suficiente para quitar os débitos acumulados. “Acertamos que 10% volta para pagar dívidas. Mas tivemos prejuízo de bilheteria. A atual parceria chegou a pagar encargos que a diretoria anterior não quitou. Eles não tinham essa obrigação porque era só da temporada 2020”, explicou.
Diretoria terceirizada quer buscar solução
Diretor de futebol do Luziânia, Bruno Mesquita chegou em janeiro de 2020 para comandar a montagem do elenco que está disputando o Candangão e liderar o departamento profissional. Nos contatos anteriores ao acerto, o dirigente tomou ciência da dívida que o clube havia feito com parte do elenco da temporada anterior. Com a verba limitada e o curto espaço de tempo para montar o time, o passivo ficou fora do acordo.
“Tínhamos ciência da dívida de 2019, até mesmo porque tentei contratar alguns jogadores do ano passado e muitos falaram que só iriam se quitássemos os valores. Como ela não era nossa e o recurso era pouco, não tínhamos como tentar um acordo. Com a pandemia, perdemos algumas parcerias e estamos lutando para manter nossos atletas atuais. Sabemos desse débito e que não é fácil”, explicou.
Apesar disso, Mesquita garantiu que fará esforços para auxiliar na resolução do problema. “Vamos atrás de recurso para a próxima temporada. Isso acontecendo, iremos tentar negociar para cumprir com esses atletas que trabalharam. Já conversei com alguns para tentar um acordo futuro. Não podemos prometer data, mas somos profissionais e vamos lutar para sanar essa dívida e deixar o nome do Luziânia limpo”, destacou.
Clube terá novo presidente em 30 dias
Ao que tudo indica, a dívida do Luziânia com os atletas de 2019 ficará de “herança” para um novo presidente. Segundo José Egídio, o clube fará novas eleições e um novo mandatário deve assumir em cerca de 30 dias. O atual dono da cadeira, inclusive, disse não ter condições de ocupar o cargo e que pegou o posto para que o clube tivesse condições de disputar as competições da atual temporada.
“Assumi com o propósito de eleger uma nova diretoria. Meu mandato termina agora e estão sendo providenciados novos nomes para os cargos”, explicou Egídio, destacando ainda que o próximo mandatário do Igrejinha irá herdar uma dívida de cerca de R$ 150 mil. “Tentei empresários para assumir, mas eles não têm dinheiro para isso. O Luziânia hoje não tem sede e nem ativo. Nos últimos anos, só teve administração esportiva”, ressaltou.
Sobre o pagamento dos jogadores, José Egídio lamentou a situação e disse não conseguir prever quando a situação será totalmente resolvida. “Não tiro a razão deles. Eles não têm culpa desse problema político. Eram funcionários, são pais de família e têm todo o direito de receber. Infelizmente não tenho como pagar agora e não tenho como dizer se o próximo presidente que assumirá fará isso”.