O texto se trata de um artigo de opinião e, portanto, é de inteira responsabilidade de seu autor. As opiniões nele emitidas não estão relacionadas, necessariamente, ao ponto de vista do Distrito do Esporte.
Por Gabriel de Sousa*
“Jogo do mandante, torcida do mandante”. Esta máxima que está presente em estádios do futebol candango representa um movimento importante de motivar moradores a assistir jogos com as camisas e as cores dos times de cada cidade. A iniciativa, que já se mostrou efetiva em jogos como do Gama e do Ceilândia, esbarra na prepotência e arbitrariedade de alguns. As vestes tratadas como inimigas, como fardas de soldados adversários em uma guerra, acabam afastando os torcedores que já não contam com um futebol de qualidade para se aproximar do calendário do futebol candango.
A quarta edição desta coluna será diferente, e o autor irá lhe pedir a permissão de contar relatos em primeira pessoa do que viveu nas partidas entre Gama x Brasiliense, no Bezerrão, e Ceilândia x Capital, no Abadião. As duas partidas, que ocorreram neste final de semana, marcaram a ida da semifinal do Campeonato Candango. O Periquito se impôs sobre o Jacaré e venceu por 3×0. O Gato Preto deixou a vitória escapar, com o confronto terminando em 1×1 e, desta forma, a Coruja vai ao JK com a vantagem do empate.
Clique e leia mais:
- Um pé na final: Gama faz 3 a 0 no Brasiliense no jogo de ida das semifinais
- Tudo igual na semifinal: Ceilândia e Capital empatam no jogo de ida
- Sem Neymar e mais dois: Dorival Júnior anuncia cortes na Seleção Brasileira
Para contar os meus relatos nas arquibancadas, é preciso quebrar a impessoalidade impostas a nós jornalistas. Eu sou Ceilândia, e por muito. Convidado por amigos, eu fui assistir ao jogo entre Gama x Brasiliense, aproveitando as poucas oportunidades de lazer do Distrito Federal nos finais de semana pós-Carnaval e pensando em um novo texto para esta coluna.
Por ser torcedor do Ceilândia, disse aos acompanhantes que não poderia ir ao Bezerrão com uma camisa do Gama que ganhei de presente, no ano passado, de um amigo fanático do Periquito. Afetado pelo bairrismo e pelo respeito ao Gato Preto, uso o manto apenas quando estou em casa ou fora do Distrito Federal.
Decidi então ir com uma camiseta vermelha do Liverpool, aproveitando a boa fase dos comandados de Arne Slot. Em apreço pelo movimento gamense, optei por ficar distante da Ala Sul do Bezerrão que, por sinal, estava esplêndida com a paleta verde e branco.
Ao passar pela fila, fui parado por um funcionário da segurança que me disse que, para “evitar confusão”, eu estava impedido de entrar no Bezerrão por conta da camisa dos Reds. Foi necessário o famoso “choro” para que ele deixasse eu passar, mas, sem ter a camisa no corpo. Ao conversar com gamenses, fui informado de diversos outros casos de hostilidades aos que utilizavam camisas de outras equipes. Voltando a vestir o traje vermelho, não pude escapar das ofensas enquanto acompanhava os contra-ataques rápidos da equipe mandante.

Já no outro jogo, no Abadião, a hostilidade por conta de uma camisa foi pior. No meu habitat natural, estava com uma camisa do primeiro título do Gato Preto, conquistado em 2010 por Dimba, Cassius e companhia, mas, fui informado de que havia cometido um “grave erro” ao ir na partida do dia anterior.
O leitor se recorda de quando citei que utilizava uma camisa do Gama que recebi de presente quando estou fora do Distrito Federal? Pois bem. Resgatar uma foto minha no charmoso bairro da Urca, no Rio de Janeiro e mesclar com um vídeo meu mostrando o panorama do Bezerrão foi o suficiente para que fosse espalhado o boato de que eu estava com o manto do Periquito torcendo pelo “inimigo”.
A imagem original tem como fundo uma residência com arquitetura neoclássica no encontro das ruas Roquete Pinto e Luiz Alves e que serviu de cenário para o filme “Ainda Estou Aqui”, que venceu o Oscar de Melhor FIlme Internacional. Os gamenses que acompanham esta coluna devem estar orgulhosos, pois a fachada do Bezerrão conseguiu ser confundida com a de um casarão que teve, recentemente, o valor reajustado para R$ 25 milhões.
Ingênuos são aqueles que acham que as fake news são patrocinadas e difundidas apenas por pessoas com alto poder aquisitivo e social. De boca em boca, histórias com começo, meio e fim se tornam fatos incontestáveis. O conceito é conhecido: “uma mentira dita uma vez é apenas uma mentira; já uma mentira dita mil vezes se torna verdade”.
As explicações do torcedor não foram o bastante para evitar tensionamentos ao longo do jogo com outros adeptos e até um singelo “esporro” de membros da torcida organizada do atual campeão candango. A regra é simples: “jogo do mandante, camisa do mandante”. Fora da cancha onde os jogos são realizados, usar camisetas com cores diferentes e o escudo de um adversário local é encarado com uma traição, tal como uma história épica grega ou com os “barracos” pouco românticos da atualidade.

Em um cenário onde as camisetas de clubes locais ainda têm uma distribuição limitada e preços elevados que ultrapassam a condição financeira da maioria dos torcedores, a premissa de impedir camisas de outros clubes nos estádios deve ser vista com cautela. Incentivar sempre, hostilizar jamais. Para converter torcedores “mistos”, é necessário criar um ambiente acolhedor onde, além dos mantos, as famílias brasilienses possam estar cada vez mais presentes nos campos da capital federal.
Por outro lado, taxar como digna de repugnância o traje de uma equipe rival local é um resgate dos ímpetos mais primitivos e infantis. A turma que, às vezes sem saber, compactuam com a frase “menino veste azul e menina veste rosa” deve ter surtos de ojeriza ao ver os atletas dos times que torcem, no último apito, trocar de camisa com os seus adversários.
Qual a minha dica para os torcedores que não possuem ou não querem utilizar as camisas dos times locais? Tente se vestir como as pessoas que circulam pelo centro do poder: use terno. Mesmo assim, é bom ficar atento com a cor da gravata. Ninguém percebe, mas a tentativa de massificar as torcidas pode piorar a elitização do esporte mais popular do país.
* Gabriel de Sousa é jornalista nascido em Ceilândia, na periferia da capital federal, e graduado na Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou no Correio Braziliense, SBT News e no Jornal de Brasília. Participou da cobertura das eleições distritais de 2022 e municipais de 2024. Atua no Núcleo de Produção Rápida da Politica (NPR) na Sucursal de Brasília do Estadão
A frase que você usa pra encerrar o artigo não faz sentido nenhum. Como a massificação das torcidas vai piorar a elitização? É justamente a elitização do esporte mais popular do Brasil que atrapalha o movimento de massa das torcidas. Antes de ir a qualquer lugar que não se está acostumado, é preciso saber onde se está indo e com quem poderá lidar. É preciso tomar esse cuidado ao visitar o Rio de Janeiro ou Nova Iorque, e também o estádios de futebol. Saber as cores dos times, as cores dos rivais. Apareça no estádio do Liverpool com as cores de um time rival, mesmo que seja uma camisa clássica de outro time do mundo. E obrigado pelo crédito da foto.
Não é só no futebol do DF. Ninguém vai em jogo do Palmeiras, São Paulo, Flamengo e demais times de mídia com camisas que não sejam as dos envolvidos e cada um em seu setor. Outro ponto, o poder público está cada vez separando as pessoas para “conter a violência”, mas o resultado está sendo mais intolerância. Houve tempo que era possível um Gama x Brasiliense com torcida mista (separando apenas as organizadas) mesmo a a rivalidade já existindo. É muita hipocrisia as organizadas e diretorias falarem em tolerância e respeito nos dias LGBT, mas não são capazes de promover o respeito à pessoas que está VESTINDO uma camisa de time. É um absurdo os banners nos jogos do Gama, por exemplo.
Eu até entendo o chamado bairrismo futebolístico, entendo colocar “força” nas torcidas com seus mantos , é uma forma de mostrar o “poder” do time em sua casa e deixar o espetáculo mais lindo dentro do estádio , mas chegar a hostilizar, é no mínimo falta de Respeito, pois um País livre e democrático por direito não cabe este tipo de atitude.
Oprimir para simplesmente ter respeito forçado não faz sentido nenhum, seja o time que for e onde for .