Por Luiz Henrique Borges
Se o historiador francês Fernand Braudel, que, ainda na década de 1930, lecionou alguns anos na nascente Universidade de São Paulo (USP), resolvesse aplicar ao nosso futebol, sem conhecer as suas nuances e singularidades, as suas três dimensões de tempo, a curta, a média e a longa duração, tenho certeza que, inicialmente, ele erraria na categoria escolhida se a análise versasse sobre a troca de treinadores. Vamos imaginar que o nosso personagem, falecido em 1985, ressuscitasse no Brasil e se deparasse, sem conhecimento prévio, com a dança dos técnicos que ocorre por aqui. Certamente ele classificaria as trocas como um evento de curta duração, ou seja, “refere-se ao tempo breve, ao indivíduo, ao evento”, falaria o grande intelectual.
No entanto, Braudel, insaciável pesquisador, ficou incomodado com o que viu e resolveu se aprofundar no assunto. Consultando décadas de notícias, nos mais diversos meios de comunicação, ele descobriu que as trocas no comando das equipes, decorrentes da falta de planejamento, de escolhas equivocadas ou, simplesmente, com a ideia de criar um fato novo que impactasse, mesmo que momentaneamente, nos seus desempenhos, era corriqueira por essas bandas. O nosso historiador, coçaria a cabeça, lançaria um olhar de dúvida ao seu redor, mas, em segundos, concluiria surpreso e também chocado, que não se tratava da curta ou de eventos da média duração, ou seja, caracterizados por uma conjuntura expressa em uma ou algumas décadas.
Envolto em sombrios pensamentos, ele afirmaria que estamos vivenciando algo de longa duração que, em tese, só seria compreensível quando visualizada em séculos, pois ela é estrutural. Com os olhos esbugalhados e balbuciando frases desconexas, com se dominado por alguma loucura, Braudel acabou de descobrir, pelo futebol brasileiro, a desconstrução dos fundamentos de sua teoria que lhe permitiram confeccionar uma obra-prima da historiografia, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II.
Deixando de lado a brincadeira e permitindo que o nosso historiador descanse tranquilamente, de fato a ausência de planejamento e as avaliações equivocadas resultaram em mais uma leva de demitidos que começou ainda na semana anterior, quando VP deixou o comando do Flamengo, e ela continuará, com sua sanha degoladora, até o final do ano. Se o nosso ressuscitado personagem francês se assustou, o mesmo não ocorre entre nós. Estamos acostumados e, já sabemos, como se fosse algo estrutural e inevitável, que a dança das cadeiras irá acontecer temporada após temporada.
Em terras paulistas, os treinadores de Corinthians e São Paulo perderam os seus cargos. O alvinegro apostou, mais uma vez, em um treinador muito jovem e inexperiente. Como ocorreu com Osmar Loss, Dyego Coelho e Sylvinho, o trabalho desenvolvido por Fernando Lázaro não decolou. Depois da sofrível campanha no Paulistão, a diretoria insistiu no técnico. Mais tempo perdido. A derrota na Libertadores, em casa, para o Argentino Juniors foi a gota d’água. Os dirigentes agiram rápido e trouxeram o polêmico, mas competente Cuca para dirigir o clube. A contrariedade de parte da torcida, que deixará o trabalho do treinador ainda mais difícil, recai sobre a acusação de estupro de uma menina de 13 anos, em Berna, na Suíça, que ele carrega desde o final dos anos 80. O treinador nega qualquer envolvimento, mas ele, como dois outros atletas brasileiros condenados em casos similares, deveria ter cumprido 15 meses de prisão por atentado ao pudor com uso de violência. Como o Brasil não extradita os seus cidadãos, ele e os outros nunca cumpriram suas penas. A violência de gênero não pode ser normalizada e a insatisfação dos corinthianos é legítima.
O São Paulo resolveu, após 18 meses de trabalho, demitir o Rogério Ceni. Durante o período em que comandou o tricolor, sempre tive a sensação que o ex-goleiro, por ser ídolo inconteste da equipe e percebendo a incompetência da diretoria do tricolor, mais do que treinador, desempenhou o papel de diretor do clube. Ceni, com um temperamento reconhecidamente difícil, não é o único culpado pelos inúmeros fracassos do tricolor paulista que já foi exemplo para o futebol brasileiro. No fundo, ele é apenas mais vítima de um clube mal administrado e que caminha rumo ao abismo.
Concordo com a longa e esclarecedora matéria escrita pelo jornalista Marcelo Prado. Nela, o autor ressalta a vaidade e a soberba como duas características dos mandatários do São Paulo e que levaram o clube para a situação periclitante em que se encontra. A soberba é tal que os dirigentes acreditam que o plantel do São Paulo é muito qualificado, mas ele não é! O tricolor, se realmente deseja mudanças, deveria, primeiro, mandar embora os seus garbosos mandatários e só depois contratar o Dorival Júnior.
No Rio de Janeiro, o Flamengo manteve a sua tradição de trocar de treinadores durante a temporada. Me parece que o clube mais rico do Brasil está, normalmente, mais preocupado com a grife do seu técnico do que com os critérios de escolha. Se o Flamengo resolveu apostar em uma mudança de estilo de jogo e contratou o Vítor Pereira para capitanear o processo, o clube deveria ter trazido atletas que se adequassem ao que VP pretendia, ou, se não era o caso, ter buscado no mercado um treinador que elabora o seu esquema tático a partir do material humano que tem nas mãos. O Flamengo não fez uma coisa e nem outra. Foram quatro meses perdidos e repletos de fiascos. Ciente dos riscos de esperar longas semanas pelo desejado Jorge Jesus, a diretoria rubro-negra contratou o excêntrico e também badalado Jorge Sampaoli que, com passagens marcantes no Santos e no Atlético Mineiro, já conhece as dificuldades e os desafios do nosso futebol.
Intenso na beira do campo, o novo treinador é adepto do jogo posicional e gosta de pontas de velocidade, bom para Everton Cebolinha, Bruno Henrique e Marinho, que já foi inclusive treinado por Sampaoli no Santos e afirmou que o argentino vai fazer o Flamengo crescer de produção. Antes escanteado por VP, Marinho já ganhou a titularidade na vitória do clube carioca contra o fraco Ñublense pela Libertadores da América. Conhecido por seu estilo de jogo ofensivo e que prioriza a posse de bola, entendo que é um nome que, inicialmente, agradará a torcida rubro-negra. Vamos ver como ficará a satisfação da diretoria quando o treinador argentino começar com os seus insistentes pedidos de reforços.
Finalmente, há os clubes com orçamentos limitados e que entendem que a troca do treinador apazigua o coração do torcedor e cria uma motivação extra nos atletas. O Coritiba, franco candidato ao rebaixamento, resolveu demitir o português António Oliveira e contratou Antônio Carlos Zago. É o exemplo da troca dos desesperados e que se repetirá, como já sabemos, por ser um evento de longuíssima duração, em diversas equipes ao longo da temporada.