Por Luiz Henrique Borges
É comum ouvir, por parte das emissoras que compram os direitos de transmissão dos jogos, a afirmação de que o Campeonato Carioca é o mais charmoso do país. Sinceramente, não acredito que os torcedores dos times paulistas, mineiros, cearenses, baianos, paranaenses, etc., acreditem na afirmação. Há, certamente aqui, uma simbiose entre o Campeonato Carioca e a imagem construída ao longo dos anos pela cidade do Rio de Janeiro, a “Cidade Maravilhosa”, apelido surgido no início do século XX e que se popularizou quando virou uma deliciosa marchinha gravada por Aurora Miranda, irmã da Carmem Miranda.
Mesmo não acreditando no charme inerente, quase metafísico, ao Cariocão, não se pode negar que ele é feito de grandes clássicos. Exceto em São Paulo, não há outro estado brasileiro que abrigue quatro grandes equipes do nosso futebol e, não há também, um clássico tão colorido e mítico quanto o Fla-Flu, expressão cunhada por Mário Filho que transformou uma simples partida de futebol em um inigualável acontecimento.
Os deuses do futebol, felizmente, estiveram presentes na última rodada da Taça Guanabara, a primeira fase do Campeonato Carioca de 2023. A nova fórmula de disputa não garante que o título simbólico seja disputado em uma final. Mas, dessa vez, as divindades estavam atentas e garantiram que o Fla-Flu da última quarta-feira, dia 8 de março, tivesse o sabor de uma final.
O Fluminense entrou em campo sabendo que, para ficar com a taça, teria que vencer o seu histórico rival. O treinador do Flamengo, Vítor Pereira, pressionado não só pelos resultados ruins ao longo dos primeiros meses do ano, mas, particularmente, pelo mau futebol apresentado, além das contusões no elenco, alterou a forma de jogar e a escalação para o duelo contra o tricolor. No primeiro tempo, as mudanças parecem ter surpreendido os comandos de Fernando Diniz que não conseguiram encaixar o seu jogo. A vantagem do rubro-negro, golaço do Everton Cebolinha, foi justa.
Por vezes, a insistência de Fernando Diniz em fazer com que seu time saia sempre tocando a bola, causa terror e pânico em seus torcedores. Eu não sou adepto do chutão, mas, às vezes, é uma alternativa, especialmente quando o adversário sobe sua marcação, ocupando os espaços muito próximos da grande área do seu oponente e praticamente anulando as possibilidades de passes. O gol anulado do Flamengo, que dependeu do VAR, poderia ter sido evitado se o André, ao ser pressionado, tivesse chutado a bola para longe de sua área. Se o gol tivesse sido validado é muito provável que a taça ficasse na Gávea. Mas, infelizmente, não existe o mundo paralelo, em outras palavras, o espaço de comprovação do “se”. No futebol a existência do mundo paralelo seria maravilhoso e poderia dirimir diversas dúvidas.
Já que chegamos no assunto da anulação do gol, a atuação do árbitro foi muito ruim. Vamos por partes. Nos primeiros segundos do jogo, Gabigol fez falta dura em André e, para completar, chutou propositalmente a bola no jogador do Fluminense que estava caído. A reação do árbitro apenas confirmou a indagação que, certamente, passou pela cabeça do atacante do Flamengo: “Que juiz terá coragem de me expulsar com menos de 1 minutos de jogo?” O árbitro, Graziane Maciel Rocha, amarelou na coragem e na cor do cartão.
A torcida do Flamengo também tem motivo para reclamar. No gol anulado, o árbitro, muito bem posicionado, não viu falta sobre o André e ainda gesticulou para o atleta do Fluminense que nada teria acontecido. Depois do gol, o juiz foi chamado pelo VAR para rever a jogada. Na sequência, ele mudou sua interpretação e marcou a falta. A jogada em si é polêmica, há comentaristas que marcariam a infração e outros que não marcariam. Eu entendo que houve a falta, mas meu questionamento é o seguinte: Qual é o juiz, que chamado ao VAR para rever uma jogada, já não vai muito predisposto a mudar a sua opinião? Certamente, não seria o Graziane, um juiz que já se mostrou titubeante aos 30 segundos de jogo ao não expulsar Gabigol. Mais uma vez o árbitro pipocou.
Fernando Diniz, treinador do Fluminense, demonstrou que sabe ler o jogo e realizar as alterações necessárias para mudar os rumos do confronto como poucos profissionais são capazes de fazer. Se na etapa inicial, a nova formação do rubro-negro, com seis atletas na linha de meio-campo, teve sucesso na criação e ainda dificultou os ataques de seu adversário, no intervalo, Diniz percebeu que a chave do jogo era povoar o centro do gramado. O treinador recuou o André para a zaga e substituiu o defensor David Braz e o atacante Keno por dois jogadores que poderiam auxiliar no meio, Gabriel Pirani e Lima, respectivamente.
As ousadas alterações surtiram efeito e o Fluminense tirou o conforto do seu adversário que também dava mostras de estar bastante desgastado fisicamente. Melhor em campo, a torcida do Fluminense, logo aos 7 minutos, se deliciou com o “L” feito pelo artilheiro Cano que empatou a partida. Caro leitor, aqui não há intenção política, afinal você sabe que o goleador do Fluminense sempre homenageia o seu filho, Lorenzo, a cada gol feito.
Eu não tenho como avaliar as condições físicas dos atletas do Flamengo, mas eu jamais substituiria Gabigol e Arrascaeta. Os dois, mesmo em cadeiras de rodas, são jogadores diferenciados e possuem os recursos para decidirem uma partida. Não é que Vítor Pereira tirou os dois jogadores e, mesmo antes da virada tricolor, foi saudado pelo grito de “burro” pela torcida no Maracanã e em todo o Brasil, considerando as reações que recebi nas redes sociais. A ira de meu amigo Guilherme foi tão grande, que temi por um enfarto fulminante.
A partida continuava elétrica e faltando apenas 5 minutos, o Fluminense cobrou uma falta lateral para dentro da área, a defesa do Flamengo não cortou, Cano chutou para o meio da área e a bola ficou com Pirani que mandou para as redes. Já nos descontos, Fábio garantiu a vitória e a taça para o tricolor após defender ótima cobrança de falta.
As desculpas de VP ao final do jogo foram as mais esfarrapadas e ridículas possíveis. Afirmou que ele teve pouco tempo de trabalho e que sua equipe não estava preparada adequadamente para as competições que enfrentaria logo no início do ano. Bem, todos nós, vivos, mortos e ressuscitados, conhecíamos o calendário e os desafios do Flamengo nesses primeiros meses. Se o planejamento dos dirigentes foi equivocado, o VP e a sua comissão tinham total consciência do fato e aceitaram o desafio. Além disso, ele não é neófito no futebol brasileiro, ou seja, ele sabe que, em terras “descobertas” e apropriadas por seu conterrâneo, Pedro Álvares Cabral, não há paciência para o desenvolvimento dos processos, o que importa são os resultados. Se o Flamengo não ganhar o até então inexpressivo Campeonato Carioca, VP poderá cuidar tranquilamente de sua sogra em Portugal.