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domingo, 24 de novembro de 2024

Coluna Visão de Jogo #13: A língua é o castigo do corpo

Na coluna Visão de Jogo de véspera do Natal, Luiz Henrique Borges fala sobre a final da Copa do Mundo de 2022

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Por Luiz Henrique Borges

No último domingo tivemos a oportunidade de assistir a final da Copa do Mundo, no meu entender, a mais emocionante das 22 edições. Tecnicamente, a Seleção Brasileira tricampeã apresentou um futebol superior na final de 1970, no entanto, os brasileiros venceram os italianos por 4×1 e, principalmente na etapa final, dominaram inteiramente o adversário, ou seja, a partida não apresentou as reviravoltas que a final entre Argentina e França nos proporcionou.

O treinador argentino, Lionel Scaloni, deu um nó em Didier Deschamps na primeira etapa. A entrada de Dí María surpreendeu o adversário. O atleta, que costuma jogar pela direita, atuou aberto pelo lado esquerdo do ataque argentino e, enquanto teve pernas para correr, desequilibrou o jogo. O atacante argentino, além da capacidade técnica e da disposição, possui estrela. Ele marcou gols na final dos Jogos Olímpicos de 2008, na decisão da Copa América de 2021 que acabou com o longo jejum argentino de títulos e, finalmente, marcou na decisão da Copa do Mundo do Catar. Além dos gols, outro ponto em comum é que a Argentina foi campeã nas três oportunidades.

No primeiro tempo da decisão, os nossos vizinhos realizaram um monólogo. Os franceses, como afirmou o seu treinador no intervalo do jogo, não pareciam jogar uma final de Copa do Mundo. Muito insatisfeito com a atuação de sua equipe, além da bronca dada no intervalo, o treinador francês não titubeou e substituiu, ainda na etapa inicial, Giroud e Dembelé, atacantes que não se encontraram em campo.

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A bronca no intervalo e as trocas melhoraram a equipe francesa que voltou mais atenta e disposta para a etapa final. Ainda assim, a Argentina controlava a partida e não passava apuros nas investidas francesas. Esgotado fisicamente, a saída de Dí María reduziu o ímpeto ofensivo da equipe sul-americana que, com a vantagem construída, procurava administrar o resultado.

Os argentinos, supersticiosos, desde que se classificaram para a final evitaram cantar vitória antecipadamente e deveriam ter mantido tal postura até o apito final. Com o time vencendo por 2X0 e faltando 10 minutos para o final, os torcedores argentinos no estádio começaram a cantar “olé” a cada troca de passes. O castigo veio rápido, Otamendi falhou e cometeu pênalti em Thuram. Dois minutos depois, Mbappé, que já havia convertido o pênalti, empatou o confronto. O destino do jogo parecia ter virado de lado.

Atordoada, a Seleção Argentina não só conseguiu se manter de pé, como também voltou melhor que o seu adversário na prorrogação. No início do segundo tempo, logo aos 3 minutos, Messi fez o terceiro gol. O título parecia voltar para a Argentina após ter fugido de suas mãos nos últimos quinze minutos do tempo regulamentar. Tivemos o duplo ensinamento durante a Copa de que uma partida de futebol só é definida quando o juiz decreta o seu encerramento. Aprendemos na própria pele, contra a Croácia, e também via os hermanos.

Faltando apenas 2 minutos para o fim da prorrogação, com a Argentina já recuada, Montiel cometeu um pênalti infantil ao se jogar na bola na tentativa de bloquear um chute do ataque francês. Frio e mortal, Mbappé marcou o hat-trick ou em espanhol triplete. Após o novo empate pensamos que as emoções viriam das penalidades. Erramos! Um novo protagonista surgiu ao lado de Mbappé e Messi. Já passados 2 minutos e 40 segundos dos acréscimos do segundo tempo da prorrogação, Kolo Muani recebeu um lançamento indecentemente livre. Ele chutou forte, rasteiro, convicto de que comemoraria em segundos o terceiro título mundial de seu país. Ele só não contava com o reflexo, a elasticidade e o pé salvador de Emiliano Martínez.

A Argentina ainda tentou um último ataque, sem sucesso. O juiz apitou o final do combate e a decisão se encaminhou para as penalidades. Como é gostoso assistir o derradeiro momento, aquele em que a tensão é praticamente palpável, quando o seu time ou seleção não está envolvido. Certamente, após a incrível defesa no chute de Muani, o confiante Emiliano Martínez já havia se transformado em uma parede sólida, compacta e intransponível aos olhares dos jogadores franceses. Se Mbappé ainda conseguiu encontrar uma brecha na muralha, o mesmo não aconteceu com Coman que viu seu chute ser defendido por Martínez. Era possível ver o terror nos olhos de Tchouaméni quanto ele se deparou com o gigante argentino. Ele acreditou que a sua única chance era arriscar o canto e o fez de tal forma que mandou a bola para fora. Messi e seus colegas não desperdiçaram as suas cobranças, desta vez não haveria reviravolta, e coube a Montiel a cobrança que garantiu o título.

O futebol jamais foi o espaço da justiça. Craques e seleções inesquecíveis como Puskás, Hungria 54, Cruyff, Holanda 74 e Zico, Brasil de 82, não ganharam o maior título do futebol mundial. Messi estava entrando para esse grupo. Apesar de sua genialidade, nas inevitáveis comparações, sempre haveria alguém que afirmaria que o craque argentino não havia ganho uma Copa do Mundo. A partir de domingo não tenho dúvida de afirmar que no panteão dos gênios, ao lado de Pelé, Garrincha, Maradona, estará o Messi.

O jactancioso Jorge Sampaoli, treinador da Argentina em 2018, após o seu ruidoso malogro na Copa do Rússia, afirmou que os sul-americanos nunca mais ganhariam um Mundial e, se houvesse uma exceção, seria o Brasil. Mbappé, atleta que certamente fará parte do panteão dos gênios do futebol, seguiu a linha de Sampaoli e afirmou em maio deste ano que “Na América do Sul o futebol não é tão avançado quanto na Europa. E é por isso que, quando você olha para as últimas Copas, sempre são os europeus que ganham”. Mbappé realizou uma análise superficial do futebol de seleções, talvez muito influenciado pelo que ele vivencia quando se trata dos clubes, um abismo crescente.

Ao tratarmos de seleções ocorre o oposto. Os grandes jogadores são todos cooptados e jogam segundo os moldes praticados pelo futebol do velho continente. Como bons colonizadores, os europeus evitaram os confrontos com os sul-americanos com a criação da Liga das Nações. Não adiantou e a razão é simples, em um mundo globalizado e com os jogadores se enfrentando semanalmente não há mistérios. O futebol também passa por um processo de homogeneização e o desafio de se manter na primeira prateleira é a capacidade de produzir novos talentos e isso não falta entre argentinos e brasileiros.

“A língua é o castigo do corpo”, alertava a avó de meu amigo José Henrique. Domingo ela chicoteou, sem dó nem piedade, Sampaoli e Mbappé. O futebol sul-americano merece mais respeito! Feliz Natal para todos.

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