Por Luiz Henrique Borges
O Professor Fábio Santa Cruz, além de um grande amigo, é também um estudioso do futebol, em particular do Centro-Oeste. Tenho grande respeito por suas opiniões, contudo nem sempre concordamos, mas como bons republicanos e democratas, buscamos, por meio do diálogo, preferencialmente regado por um bom chope, discutir nossas posições.
Defensor das fases eliminatórias no Campeonato Brasileiro, um autêntico “mata-matista”, após a vitória do América Mineiro sobre o Internacional, no dia de Finados, o Professor Fábio publicou nas suas redes sociais: “O gol do título do Palmeiras… foi marcado por Alê, do América de Minas Gerais. Ué! (Parabéns aos patetas responsáveis por essa patetice)”.
Eu compreendo as diversas críticas tecidas em relação ao campeonato de pontos corridos, tais como: o título pode ser definido, como aconteceu em vários anos, antes da última rodada ou perdemos a emoção dos jogos finais ou, ainda, que os pontos corridos reduzem as possibilidades de as equipes menos estruturadas ganharem o título.
Eu entendo a insatisfação, mas não concordo com a afirmação que o meu amigo postou em suas redes sociais, ou seja, que o gol do título do Palmeiras foi marcado pelo jogador do América Mineiro. Na verdade, o Palmeiras ganhou o título em virtude da enorme consistência que mostrou ao longo das 35 rodadas do campeonato e isto não pode ser minimizado. O alviverde, até o momento, venceu 22 partidas e, ainda mais impressionante, perdeu apenas 2 confrontos. Em outras palavras, o gol do Alê significou apenas a antecipação do título que já estava conquistado e que seria, de qualquer forma, ratificado na noite de quarta-feira, após o Palmeiras golear o Fortaleza.
O sucesso, as vitórias e os títulos das equipes nos campeonatos de pontos corridos são decorrentes da organização e da formação de elencos fortes e tal fato diminuiu significativamente as oportunidades das equipes menos estruturadas e organizadas. No entanto, seus efeitos transbordaram também para os diversos campeonatos de mata-mata e não há mais espaço, há anos, para as surpresas e para as equipes desorganizadas administrativa e financeiramente, inclusive nos campeonatos estaduais, particularmente naqueles que possuem representantes na Série A.
O Palmeiras, desde a gestão de Paulo Nobre, dirigente que assumiu o clube logo após o rebaixamento para a Série B no final de 2012, promoveu um verdadeiro choque de gestão ao profissionalizar os diversos departamentos do clube. As gestões competentes se seguiram com Maurício Galiotte e Leila Pereira. Os bons resultados não são exclusivos do futebol profissional, mas eles se alastraram pelas categorias de base do alviverde, com conquistas nacionais no sub-13, sub-17 e sub-20.
Outro aspecto importante e que precisa ser ressaltado é a manutenção da vitoriosa comissão técnica. Abel Ferreira não está comemorando apenas o título brasileiro neste mês, mas também dois anos dirigindo o Palmeiras. Tenho certeza de que o torcedor palmeirense não se importou se o título foi conquistado antecipadamente e chegou um pouco mais cedo, com a vitória da equipe mineira. Ele só quer gritar Hendecacampeão.
O Flamengo, apesar de ter realizado um jogo sofrível, conquistou pela terceira vez a Copa Libertadores da América após vencer o Athletico Paranaense por 1X0. O rubro-negro do Paraná, exceto nos minutos iniciais do confronto, não conseguiu ameaçar o clube carioca. A expulsão do defensor Pedro Henrique, nos minutos finais da etapa inicial, abriu o caminho para o gol flamenguista. Neste ponto, entendo, juntamente com o meu chefe, Ruy Cesar, que o Felipão se equivocou. Acredito que o experiente treinador, sabendo que faltavam poucos minutos para o intervalo, resolveu adiar a substituição para recompor a defesa para conversar com a equipe no vestiário. Gabigol frustrou a manobra de Felipão e garantiu o título para o Flamengo em um jogo morno, quase sonolento.
Poderíamos abordar de forma mais aprofundada a final da Libertadores da América, no entanto, após as acirradas eleições presidenciais, a esposa do presidente do Flamengo, a senhora Angela Machado, que ocupa o cargo de Diretora de Responsabilidade Social do clube, divulgou em suas redes sociais um dos mais tristes e desprezíveis comentários depreciando as populações e a região que se posicionou contra o candidato que ela defendia. Não sei se o post foi criado por ela, uma vez que já havia lido no facebook de um conhecido: “Ganhamos onde se produz, perdemos onde se passa férias, bora trabalhar, pq se o gado morrer o carrapato passa fome”.
A Análise de Discurso nos ensina que as mensagens não estão expressas apenas no que foi dito, mas elas também devem ser lidas no interdito, nas entrelinhas e no silêncio. O construtor da frase xenófoba não precisou falar explicitamente que os seus ataques se dirigiam aos nordestinos, mas eles foram o alvo. Vários aspectos me espantam. Inicialmente, saber que a esposa do presidente do Flamengo é diretora de responsabilidade social e cidadania e a sua postagem, que obviamente reverbera o seu pensamento, se choca frontalmente com diversas diretrizes da diretoria por ela ocupada, em particular a terceira: “posicionar-se como clube defensor de direitos e inclusão social”.
Segundo aspecto, não sei se viver no Rio de Janeiro fez com que tal digna senhora tenha se esquecido de sua origem sergipana e nordestina. Também adoraria saber em que local a esposa do dirigente se formou em Serviço Social, pois certamente na sua grade curricular faltaram leituras básicas de antropologia, uma vez que os determinismos – geográficos e biológicos – e o evolucionismo já caíram em descrença no início do século XX.
Não sei se as pessoas que publicaram e divulgaram a repugnante postagem possuem capacidade cognitiva para ler e entender um Franz Boas, um Alfred Kroeber, dentre outros, por isto sugiro uma leitura bem mais básica, mas muito bem elaborada e marcada pelo rigor acadêmico, de um antigo professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, o mineiro de Pouso Alegre, Roque de Barros Laraia: “Cultura: um conceito antropológico”. Talvez ela seja capaz de arejar as cabeças retrógradas, xenófobas e preconceituosas.
Por último, mas não menos importante, o post afirma, ganhamos onde se produz, perdemos onde se passa férias, ou seja, há uma clara divisão entre os estados que, supostamente, trabalham e não trabalham. Demonstrando limitada inteligência, o construtor da pérola se esquece que para ele curtir suas merecidas férias, os residentes estão trabalhando arduamente, ou seja, seguindo a mesma analogia do post, alguém poderia afirmar que o carrapato trabalha para que o gado possa colocar seu traseiro na sombra!