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sábado, 23 de novembro de 2024

Coluna Visão de Jogo #3: Pelos geraldinos

Em seu terceiro texto para a Coluna Visão de Jogo, Luiz Henrique relembra seus tempos de arquibancada no Diogão e os compara com a presença da torcida nos estádios atualmente

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Eu sou do tempo em que ir aos estádios de futebol era algo acessível e popular. Eles não tinham o conforto das modernas arenas, mas para o torcedor raiz, isto pouco importa. Nós queremos vivenciar a experiência impactante de entrar na arquibancada e ver o gramado, por mais surrado que ele esteja, se abrindo aos nossos olhos. Queremos compartilhar o sentimento de pertencimento a um clube com os demais integrantes da torcida. Queremos gritar de alegria quando a equipe atua bem, mas também mostrar a nossa indignação quando a atuação é sofrível.

Quando morei na simpática cidade de Formosa, no entorno de Brasília, eu gostava de ir ao Diogão, um acanhado estádio de concreto, com exígua cobertura, para assistir às partidas do campeonato brasiliense. Nas tardes de domingo, quando a equipe local realizava uma boa campanha, a parte coberta logo ficava repleta e qualquer atraso significava assistir à peleja sentado no concreto quente, capaz de cauterizar qualquer ferida. O sol e o desconforto não afastavam os torcedores, particularmente aqueles, que como eu, acompanhávamos com frequência a equipe.

Em 2013, com o Formosa disputando a segunda divisão do Campeonato Brasiliense, particularmente nas fases iniciais, denominei os persistentes torcedores do clube, muitos deles meus ex-alunos ou amigos pessoais, como o gremista Dr. Tales, reconhecido e competente veterinário da cidade, como os “300 de Esparta”. Caro amigo leitor, vou lhes contar que os guerreiros espartanos que lutaram bravamente contra os persas na Batalha de Termópilas eram bem mais numerosos do que nós, que somávamos, no máximo, uns 80 ou 90 alucinados.

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Em Brasília, quando era moleque, o meu maior desejo era assistir às partidas na parte coberta do antigo Mané Garrincha, mas minha mesada autorizava a entrada apenas para as gerais do estádio. Enfim, havia espaço para todos os torcedores, das mais diversas classes sociais. O estádio era um local de inclusão e, de alguma forma, as diferenças sociais eram atenuadas.

As cifras para assistir a “paixão” nacional, aos poucos, dispararam e o futebol se elitizou sem dó, nem piedade. Ele deixou de ser um programa popular e se transformou em um espetáculo para a classe média e alta, para os sócios torcedores, ou seja, para aqueles que podem pagar uma mensalidade.

O processo começou com o fim das gerais. A maioria dos que defenderam a extinção do popular, democrático e inclusivo espaço, jamais assistiu a um jogo dali. Os novos “donos do poder”, parafraseando o título clássico escrito por Raymundo Faoro, muitos deles não afeitos ao futebol, nunca ficaram nas pontas dos pés os 90 minutos para ver o seu time ou vivenciaram os personagens folclóricos que enchiam os estádios de graça e humanidade. Mas isto não os impediram de falar e agir, em definir o que é bom ou não é para os demais torcedores. Os falastrões “donos da verdade” tomaram de assalto o espaço que era de todos.

Destilando hipocrisia, característica do conservadorismo brasileiro, eles afirmavam, repletos de falsa convicção, que a partir de agora o torcedor teria mais conforto. O resultado foi que ele, o torcedor mais humilde, foi arrancado de um dos poucos espaços públicos de lazer que lhe era acessível. Ele se viu excluído de torcer e compartilhar as emoções com o seu time do coração pelo bolso.

O geraldino, curiosamente, não reclamava das dificuldades e do desconforto que sentia nos estádios. Em Formosa, no escaldante concreto do acanhado Diogão, eu levava uma sandália grossa ou um papelão, para me sentar e preservar de queimaduras em região tão delicada. No meu caso, os recursos não me impediriam de buscar um lugar mais nobre na arquibancada, mas o importante era eu fazer parte do todo. Enfim, se a falta de conforto incomodava uns e outros, isto não era motivo para impedir o acesso daqueles que gostavam dos espaços populares ou, ainda pior, excluir todos aqueles que preferiam a geral a nada.

As duas maiores torcidas do país, Corinthians e Flamengo, começarão a decidir a Copa do Brasil na próxima semana. Os dois clubes contaram, ao longo de suas histórias, com a força popular para se tornarem tão grandes. No entanto, para a final que se avizinha, a pessoa precisa ser muito mais do que um “fiel torcedor” para pagar um ticket médio no valor de R$ 391,00, ou seja, 30% do valor do salário-mínimo.

O Corinthians tomou uma atitude interessante em relação ao confronto que será disputado no Maracanã. Ao que parece, o clube paulista tentou negociar um valor mais acessível para os ingressos destinados à torcida visitante, fixado em R$ 400,00, no entanto, os dirigentes do Timão alegam que a diretoria do Flamengo não topou o negócio. O alvinegro resolveu então usar a arrecadação que terá com os torcedores do clube carioca, que representará um pouco mais de R$ 1,1 milhão, para subsidiar os 3.800 ingressos para a sua torcida no jogo do Maracanã. Assim, o torcedor corintiano terá que desembolsar R$ 90,00 uma vez que os R$ 310,00 restantes serão custeados pelo clube paulista.

Eu não sou ingênuo e sei que os clubes precisam de boas arrecadações, especialmente em jogos tão especiais e singulares como serão os dois confrontos entre Flamengo e Corinthians, para complementarem suas receitas e manterem seus elencos competitivos. Contudo, a busca pelo equilíbrio financeiro e satisfazer a paixão dos torcedores, particularmente os mais humildes, precisa ser buscada.

O futebol é um patrimônio cultural brasileiro. Ele foi importante na inserção de pobres e negros em nossa sociedade, ele nos trouxe orgulho e sentimento de nacionalidade, ele nos deu reconhecimento internacional e permitiu que as classes menos abastadas encontrassem nele o lazer que era interditado em outros campos. Em tempos de autoritarismo, ele foi um sopro democrático. Tais características não deveriam ser abandonadas.

Como torcedor que vai ao estádio “raiz” e também às arenas, há uma coisa que não desejo: reviver a experiência que tive durante a Copa de 2014 no jogo em que o Brasil disputava o terceiro lugar. Depois da vexaminosa derrota para a Alemanha, o Brasil perdia para a Holanda e os torcedores “gourmet” estavam mais preocupados com suas aparições nos telões do estádio, com seus cabelos bem alinhados, com suas caríssimas blusas amarelas impecavelmente passadas, em fazer a ola, do que no desempenho do Brasil. Para mim, o estádio é um espaço democrático e ninguém deveria ser excluído, seja o torcedor “gourmet” ou o geraldino. Mas, se eu for obrigado a escolher entre um deles, fico, sem pestanejar, com o segundo. Ele pode não entender de aparência, de moda e até falar um português menos casto, no entanto, no seu coração pulsa uma bola. Ele é a alma e a alegria do futebol brasileiro.

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