22.5 C
Brasília
sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Cinquenta anos de Consciência Negra: o racismo segue presente no futebol

Na data de reflexão, o futebol olha para si na tentativa de evoluir. Esportistas do DF, Edmar Sucuri e Hugo Almeida falam sobre o preconceito existente no esporte

- Continua após a publicidade -

Por Jéssika Lineker

Há 50 anos, 20 de novembro, dia histórico pela morte de Zumbi dos Palmeiras, a maior representação quilombola da história colonial do Brasil, foi reivindicado como data oficial de celebração do Dia da Consciência Negra no país. Símbolo de força, resistência e orgulho, traz a tona o necessário debate sobre causas antirracistas no esporte. O futebol, obviamente, não fica fora da reflexão. Porém, ainda há muito para avançar em termos de igualdade nas quatro linhas do gramado.

Figuras de destaque do esporte do Distrito Federal, o goleiro Edmar Sucuri, camisa 1 do Brasiliense, e o técnico Hugo Almeida, comandante do Legião, ressaltam que o esporte mais popular do mundo ainda tem muito o que aprender. E eles têm razão. Casos de racismo continuam acontecendo com frequência nos estádios do Brasil e do mundo. Segundo relatório do Observatório Racial do Futebol, foram registrados 58 casos de discriminação no futebol brasileiro em 2020, sendo 31 deles raciais. O local onde ocorre maior incidência ainda é em estádios de futebol. Com a pandemia, os casos na internet saltaram de 10% para 33%, entre 2019 e 2020.

- Continua após a publicidade -

O mais recente envolve a jogadora do Corinthians, Adriana, que foi chamada de “macaca” por uma das atletas do Nacional-URU na disputa das semifinais Libertadores Feminina. O clube alvinegro saiu vitorioso com um placar de 8 a 0 e, após a partida, repudiou o ocorrido. Ainda em campo, jogadores como a atacante brasiliense Victoria Albuquerque passaram a comemorar os gols cerrando o punho. Foi ela, inclusive, quem flagrou as ofensas. Do lado uruguaio, a capitã Valeria Colman pediu desculpas em nome da equipe.

No futebol candango, também há caso recente. No último sábado (13/11), a lateral Buga, do Cresspom, vítima de injúria racial na partida com a Aruc/Fúrias, válida pela nona rodada do Candangão Feminino. A atleta alega que um senhor, identificado na transmissão como Dimas Bezerra da Silva Dutra, a xingou durante a partida, que foi paralisada por cerca de cinco minutos.

“É uma situação muito delicada pois no momento eu fiquei em estado de choque, sem entender. As meninas falando e eu pensei: “não é possível”. Até eu entender a gravidade da situação foi quando eu falei “tenho muito orgulho do meu cabelo, tenho muito orgulho do meu black, tenho muito orgulho de onde eu vim e de quem eu sou” e aí eu vi algumas pessoas querendo deixar o caso passar, outras pessoas eu agradeço, assim como as meninas do meu time pelo apoio. No momento eu fui forte, acho que me fiz de forte”, contou a jogadora ao Distrito do Esporte.

Foto: Silvio Avila/Especial Metrópoles

Sucuri pede punição severa

Edmar Sucuri, goleiro do Jacaré desde 2017, é considerado ídolo com suas grandes defesas e atuações no gol que levaram o time a conquistar títulos. Ele conta que nunca sofreu preconceito racial, mas pede que os autores de atitudes racistas sejam punidos com muito rigor. Para ele, apesar dos casos existentes, as pessoas estão ficando mais conscientes. “Mas em algumas situações a pessoa permitia algum tipo de brincadeira e como o assunto está mais destacado na mídia, eles acabam levando para o lado do preconceito”, frisa. Ele diz ainda que brincadeiras que ferem e ofendem não devem ser toleradas.

O goleiro revela que Lewis Hamilton é o seu ídolo negro no esporte e que possui profunda admiração por sua competência e qualidade, além do respeito do piloto pelo eterno Ayrton Senna. O piloto inglês é um grande personagem na luta por causas raciais e sempre se posiciona a respeito do assunto. Sucuri relembrou do episódio de racismo no jogo entre PSG x Istanbul Basaksehir pela Champions League, em que o quarto árbitro Sebastian Constantin Coltescu se referiu ao auxiliar do clube turco, Pierre Webó, de forma racista. A equipe de Neymar e Mbappé deixou o campo com os atletas do Istanbul em forma de protesto e a partida foi adiada.

Barbosa e Aranha, o racismo marcado na vida de goleiros

Moacyr Barbosa, ídolo do Vasco da Gama, foi reconhecido como o melhor goleiro do continente na década de 1950. Mas nem tudo são flores. No mesmo ano, Barbosa defendeu a seleção brasileira na Copa do Mundo e ficou marcado como o grande vilão da derrota para o Uruguai, após gol de Alcides Ghiggia. Com isso, muitos relacionaram o acontecido com a cor de Barbosa, questionando se negros deveriam ter oportunidade de vestir a camisa verde e amarela. Somente em 1966, a seleção voltou a contar com um negro no gol: Manga, ex-Botafogo.

Foto: Reprodução da Internet

Um caso recente, e que repercutiu no país e no mundo, foi o racismo sofrido pelo ex-goleiro Aranha. Em 2014, na partida entre Grêmio x Santos pelas oitavas de final da Copa do Brasil, uma mulher branca foi flagrada pelas lentes do canal ESPN Brasil chamando o goleiro do Santos de “macaco”. Além dela, outros torcedores imitaram sons e gestos comparando o atleta ao animal. No momento em que ocorreram as ofensas, o arqueiro logo se manifestou e pediu para que as câmeras registrassem tudo.

Em Portugal, técnico viu que o racismo não está apenas no Brasil

Hugo Almeida é técnico do Legião F.C. e atualmente está no comando das categorias de base Sub-15 e Sub-19 do Leão, na disputa da 13ª Copa Brasília. Hugo passou dois anos em Portugal, atuando como auxiliar técnico em quatro times do país, e, assim como Sucuri, nunca foi vítima de discriminação racial. “Nunca sofri racismo, mas já presenciei casos assim em Portugal com atletas e membros da comissão técnica. Minha primeira reação foi de espanto, pois não imaginava que isso ocorria em um país como esse e, logo depois, questionei o porquê das vítimas não responderem e não se defenderem de tais “brincadeiras” preconceituosas”, relata.

Para Hugo, hoje as pessoas não têm vergonha de emitir opiniões racistas, mas, por outro lado, quem tem voz e visibilidade está se posicionando e causando desconforto e constrangimento em quem é preconceituoso. Ele tem como ídolo o boxeador tricampeão mundial dos pesos pesados Muhammad Ali, eleito “O Despostista do Século”, em 1999, pela revista estadunidense Sports Illustrated. Sua forma de pensar, a liderança dentro e fora do esporte e suas reflexões foram alguns aspectos que chamaram a atenção de técnico do Leão.

Foto: Jéssika Lineker/Distrito do Esporte

Um caso de racismo que chamou bastante atenção de Hugo foi justamente contra um time luso. Na partida entre Vitoria de Guimarães e Porto, o atacante Marega foi atacado com ofensas racistas pela torcida do Vitoria. O que deixou Hugo com sentimento de impunidade foi o atleta que sofreu a injúria racial, ao ameaçar deixar o campo, foi punido com dois cartões amarelos e, posteriormente, expulso do jogo.

O negro ainda é minoria no comando de equipes brasileiras

Além de não terem muitos negros nas federações estaduais de futebol (26 das 27 federações têm presidentes brancos), no comando dos times das Séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro não é diferente. Na elite, a mais almejada e importante competição nacional, apenas dois dos 20 técnicos são negros: Marcão do Fluminense e Jair Ventura do Juventude.

Primeiro presidente negro da história da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues frisou a necessidade de fazer do futebol um espaço de transformação para todos. “O Dia da Consciência Negra é uma data em que reafirmarmos nosso orgulho como povo. E o futebol, mais que um esporte, é um espelho para toda a sociedade. Os jogadores inspiram nossos jovens, os jogos são vistos por todas as camadas sociais. Por isso, ele precisa ser um espaço de fraternidade e tolerância. Nossa missão é conjuntamente trabalhar para que ele jamais seja palco de qualquer tipo de preconceito”, ressalta.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Racismo é um tema que não deve ser ocultado e nem ignorado nos dias de hoje, principalmente no esporte em que muitos negros exercem com excelência suas funções e são maioria no hall de ídolos nacionais, tornando-se referência a outros tantos jovens negros. O racismo existe e precisa ser combatido todos os dias. No futebol e fora dele.

- Publicidade -

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leave the field below empty!

Mais do DDE

P